quinta-feira, 6 de outubro de 2016

O fantasma de dom Pedro

Um cavalo passou a galope onde a rua principal cruza o caminho de Contla. Ninguém viu nada. E no entanto uma mulher que esperava fora do povoado contou que vira o cavalo correndo com as pernas dobradas como se fosse cair de bruços. Reconheceu o alazão de Miguel Páramo. E até pensou: “Esse animal vai quebrar a cabeça.” Depois viu quando o cavalo endireitava o corpo e, sem afrouxar a carreira, caminhava com o pescoço esticado para trás como se viesse assustado por causa de alguma coisa que tivesse deixado lá atrás.
Esses rumores chegaram à Media Luna na noite do enterro, enquanto os homens descansavam da longa caminhada que tinham feito até o panteão.
Conversavam, como se conversa em qualquer lugar, antes de ir dormir.
Esse morto me doeu muito — disse Terencio Lubianes. — Ainda estou com os ombros doloridos.
E em mim — disse Ubillado, seu irmão. — Até meus joanetes cresceram. Com essa história do patrão querendo que todos fôssemos de sapatos. Nem que fosse dia de festa, não é mesmo, Toribio?
E o que vocês querem que eu diga? Acho que já morreu tarde.
Pouco depois chegaram mais fuxicos de Contla. Vieram com a última carreta.
Dizem que o fantasma já está por lá. Viram o dito cujo batendo na janela de fulaninha. Igualzinho a ele. De perneiras e tudo.
E você acha que dom Pedro, com o gênio que tem, ia permitir que seu filho continue barganhando mulheres? Já imagino o que ele faria, se ficasse sabendo: “– Muito bem — diria. — Você já morreu. Fica quieto aí na sepultura. Deixa esse negócio para nós.” E se visse o filho por aí, sou capaz de apostar que o mandaria de volta para o campo-santo.
Você está certo, Isaías. Esse velho não é de brincadeira.
O carreteiro continuou seu caminho: “Conto do jeito que ouvi.”
Havia estrelas cadentes. Caíam como se o céu estivesse chuviscando lume.
Vejam só — disse Terencio — o bailongo lá no alto.
É que estão celebrando uma festança para Miguelito — interveio Jesús.
Não será um mau sinal?
Para quem?
Vai ver sua irmã está sentindo saudades e querendo que ele volte.
Você está falando da irmã de quem?
Da sua.
É melhor ir embora, pessoal. A gente labutou muito hoje, e amanhã temos de madrugar.
E se dissolveram como sombras.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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