Da
chamada avenida Malaquias, que liga as estradas de Dois Irmãos e do
Arraial, e é hoje uma rua banal, já se disse que teve fama de ser
ela inteira mal-assombrada. Ainda a conheci com suas velhas e grandes
jaqueiras e mangueiras e quase sem uma casa por trás dos muros
altos, onde de dia os moleques se divertiam traçando calungas e
sinais obscenos. Os mais doutos, escrevendo palavrões de arrepiar a
própria gente grande. Parecia a chamada avenida um resto de mata,
fantasiado de rua; e a rua, uma caricatura de avenida.
Mais
de um homem incauto foi assassinado à sombra daquelas jaqueiras
tristonhas e gordas. Ficou célebre o assassinato do chefe da estação
de Ponte d’Uchoa. Uma cruz de pau recorda ainda hoje esse crime.
No
tempo da iluminação a gás, a chamada avenida Malaquias era o pavor
dos acendedores de lampião. Mais de um acendedor correu gritando
como um menino com medo, apavorado com assombração na avenida.
Vultos brancos debaixo das jaqueiras ou espojando-se na lama: talvez
lobisomens cumprindo o fado. Bichos estranhos às carreiras: talvez
mulas-sem-cabeça. Mulas-de-padre, vindas do lado Capunga. E vozes.
Vozes estranhas. Vozes do outro mundo. Uma, certo acendedor de
lampião ouviu-a bem ao pé do ouvido. Obrigou-o a fala fanhosa de
duende a correr como um doido para a padaria do Castor, sem mais
querer saber de apagar lampiões naquele ermo.
Dizia
a voz: “Não me deixes no escuro!” O que contraria quase tudo que
se sabe a respeito de fantasmas. Os ortodoxos são amigos do escuro e
inimigos das luzes de lampião e até de lamparina.
Gilberto
Freyre,
in
Assombrações
do Recife velho
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