Um
ou dois dias depois, recebi um poema de Lydia pelo correio. Era um
longo poema que começava assim:
Saia
daí, velho gigante,
Saia
desse buraco escuro, velho gigante,
Saia
pra luz do sol, venha ao nosso encontro e
Deixe
a gente botar margaridas no seu cabelo...
O
poema seguia em frente pra me dizer como seria bom dançar pelos
campos com irrequietas criaturas femininas que me trariam alegrias e
o verdadeiro saber. Guardei a carta numa gaveta do guarda-roupa.
Acordei
na manhã seguinte com umas pancadas nos vidros da porta da frente.
Eram dez e meia.
– Cai
fora – gritei.
– É
Lydia.
– Tá
legal. Espere um minuto.
Botei
uma camisa, uma calça e fui abrir. Daí, corri pro banheiro e
vomitei. Tentei escovar os dentes, mas só consegui vomitar de novo –
o gosto doce da pasta virou meu estômago. Voltei pra sala.
– Você
tá mal – disse Lydia. – Quer que eu saia?
– Não,
não, eu tô legal. Sempre acordo desse jeito.
Lydia
estava ótima. A luz atravessava a cortina e brilhava nela. Tinha uma
laranja na mão que ela ficava jogando pro ar. A laranja rompia
rolando a manhã luminosa de sol.
– Não
posso ficar – disse ela –, mas queria te pedir uma coisa.
–
Claro.
– Eu
sou escultora. Quero esculpir sua cabeça.
– Tudo
bem.
– Você
vai ter que ir na minha casa. Eu não tenho ateliê. Vai ter que ser
na minha casa. Isso não vai te deixar nervoso, vai?
– Não.
Anotei
seu endereço e as instruções pra chegar lá.
– Vê
se aparece pelas onze da manhã. Os garotos chegam da escola no meio
da tarde e atrapalham muito.
– Vou
chegar lá às onze – disse eu.
Sentei
de frente pra Lydia, junto à mesa da cozinha. Entre nós dois tinha
um montão de argila. Ela começou a fazer perguntas.
– Seus
pais ainda estão vivos?
– Não.
– Você
gosta de Los Angeles?
– É
a minha cidade favorita.
– Por
que é que você escreve sobre as mulheres daquele jeito? – Que
jeito? – Você sabe.
– Não
sei, não.
– Ora,
eu acho uma vergonha um cara que escreve tão bem como você não
saber nada sobre as mulheres.
Não
respondi.
–
Diabo! O que será que a Lisa fez com
o...? – ela começou a procurar alguma coisa por toda parte. – Ah
essas garotinhas que somem com os instrumentos da mamãe!
Lydia
achou outro.
– Esse
vai ter que servir. Quieto agora; pode relaxar, mas fique quieto.
Eu
a encarava. Ela trabalhava no monte de argila com um instrumento de
madeira que tinha um laço de arame na ponta. Fazia gestos com o
instrumento pra mim, por cima do monte de argila. Eu a observava.
Seus olhos nos meus. Eram grandes, castanho-escuros. Até seu olho
ruim, o tal que não combinava com o outro, era bonito. Lydia
trabalhava. O tempo passava. Eu estava em transe. Então, ela falou:
– Que
tal uma folga? Tá a fim de uma cerveja?
–
Legal. Tô sim.
Ela
se levantou pra ir à geladeira. Fui atrás. Tirou de lá a garrafa e
fechou a porta. No que ela se virou, agarrei-a pela cintura e puxei-a
pra junto de mim. Grudei, boca e corpo, nela. Ela segurava a garrafa
de cerveja a distância, com o braço esticado. Beijei-a. Beijei-a de
novo. Lydia me empurrou.
– Tá
bom – ela disse –, agora chega. Temos trabalho pela frente.
A
gente se sentou de novo e eu fiquei bebendo minha cerveja; Lydia
fumava um cigarro; entre nós, a argila. Foi então que a campainha
tocou. Lydia se levantou. Uma gorda apareceu, com olhos frenéticos,
suplicantes.
– Essa
é minha irmã, Glendoline.
– Oi.
Glendoline
puxou uma cadeira e começou a falar. E como falava. Se fosse uma
esfinge, ia falar, se fosse uma pedra, ia falar. Quando é que ela
vai se cansar e sair, fiquei pensando. Mesmo quando parei de escutar,
era como se eu estivesse sendo bombardeado com minúsculas bolinhas
de pingue-pongue. Glendoline não tinha nenhuma noção do tempo e
não se tocava de que podia estar incomodando. Ela falava, falava.
–
Escuta aqui – acabei dizendo –,
quando é que você vai embora?
Aí
começou uma cena entre irmãs. Começaram a boquejar uma pra outra.
Ficaram as duas de pé, agitando os braços uma pra outra. As vozes
se elevavam.Se ameaçaram fisicamente. Por fim – na véspera do fim
do mundo –, Glendoline deu um meio rodopio vigoroso e se abalou pra
sair; cruzou o espaçoso batente da porta de tela e foi embora. Ainda
dava pra ouvi-la, inflamada e resmunguenta. Foi pro seu apartamento,
nos fundos do condomínio.
Lydia
e eu voltamos pro nosso canto e nos sentamos. Ela apanhou seu
instrumento de esculpir. Os olhos dela bateram nos meus.
Charles
Bukowski, in Mulheres
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