Subiu
lentamente a escada, arrastando os pés. Estacou para respirar apenas
uma vez, no meio dos trinta degraus: ainda era um homem. Entrou na
cozinha e, sem olhar para a mulher, sem lavar as mãos, sentou-se à
mesa. Ela encheu o prato de sopa, colocou-o diante do marido.
Olho
vermelho de dorminhoco, o filho saiu do quarto e atravessou a
cozinha. O homem batia as pálpebras, embevecido com os vapores
capitosos.
— Aonde
é que vai?
O
filho abriu a torneira do banheiro:
— Fazer
a barba.
— Hora
da janta. Vem comer.
Demorava-se
o rapaz, torneira fechada. Com a toalha no pescoço, não olhou o
pai.
— Não
quero jantar. Sem fome.
O
homem suspendeu a colher:
— Não
quer jantar, mas vem para a mesa.
Todas
as noites, esfomeado. Enchia a colher, aspirava o caldo de feijão e,
fazendo bico nos lábios; grossos, tragava-o com delícia. O filho
desenhava com o garfo na toalha de flores estampadas. A mulher, essa,
contemplava o fogo, mão no queixo.
— Dar
uma volta.
O
homem sugava ruidosamente e, a cada chupão, o filho revolvia a ponta
do garfo no coração das margaridas.
— Saiu
agora do quarto, filho de barão! Mas eu... Quando me deitar de dia
na cama! é para morrer!
A
mão do filho abandonou o garfo e não se mexeu.
— Volta
cedo, não é?
A
voz cansada da mãe, ainda de costas para a mesa. Não sabia ela que,
ao defendê-lo, perdia a causa do filho? O homem esvaziou o prato e,
descansando a colher, examinou as mãos enrugadas.
— Estas
mãos — sacudidas de ligeiro tremor — de um velho!
A
mulher apanhou o prato, encheu-o até a beirada. O marido retorceu as
pontas úmidas do bigode:
— Você
não come?
O
filho contornava com o garfo as pétalas na toalha.
— Não
estou com vontade.
—
Depois o senhor vai para o quarto.
Cheirava
a colher e sorvia a sopa, estalando a língua. O filho ergueu-se da
mesa.
— O
senhor fica sentado. Não tem pão nesta casa?
A
mulher trouxe o pão. Ele não o cortava: agarrava-o inteiro na mão
e mordia várias vezes; em seguida partia-o em pedaços, alinhados
diante do prato, atacando um por um, entre as colheradas.
— Volta
cedo, não é, meu filho?
De
novo a mãe, nunca aprenderia.
— Agora
não vou mais.
O
pai dizia a última palavra:
— Uma
vergonha! O chefe tem de jantar sozinho. O filho preguiçoso... até
para comer. A mulher — com seus brados retiniam os talheres — tem
o estômago delicado. Não se mexeu, curvada sobre o fogão.
— Olhe
para mim quando falo com a senhora!
Ela
se virou, a enxugar as mãos na saia.
—
Depois de velha, melindrosa. Não pode
comer com o rei da casa, que lhe sustenta o filho e lhe dá o
dinheiro?
— Sabe
por que não sento.
Os
dois a olharam com espanto, nunca discutiu as ordens do marido.
— Sei
não, dona princesa. Pois me conte.
Ele
pedia, a colher no ar:
—
Perdeu a coragem, que não fala? Outra
vez a mulher deu-lhe as costas.
— Só
nojo de você.
Ele
começou a soprar, manchava de borrifos a toalha.
— O
quê? O quê? Repita, mulher.
A
dona abriu o fogão, espertou as brasas, encheu-o de lenha:
— Nada
espero da vida. Mas não posso te ver comer. Sei que é triste para a
mulher ter nojo do marido. Você chupa a colher se fosse tua última
sopa.
— Come
o pão se eu fosse te roubar. Não sei o que fiz a Deus para esse
castigo mais desgraçado. Fui boa mulher, ainda que tenha nojo. Lavo
tua roupa, deito na tua cama, cozinho tua sopa. Faço isso até
morrer. Me peça o que quiser. Não que me sente a essa mesa com você
e tua sopa mais negra.
O
filho abandonou a cozinha e desceu a escada. Os dois ouviram bater a
porta da rua.
O
marido encarou pela primeira vez a mulher. Baixou os olhos, cabelos
de gordura boiavam no caldo frio. Erguendo um lado do prato, acabou o
resto de sopa e lambeu a colher.
Dalton
Trevisan, in Novelas nada exemplares
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