O
Tao-Te-Ching, livro sagrado do taoísmo, já dizia há mais de
um milênio que temos dois lados. Há um lado que olha para fora.
Olhando para fora defrontamo-nos com o mundo da multiplicidade, 10
mil coisas que se impõem aos nossos sentidos, nos dão ordens, nos
atropelam, e nos enrolam aos trambolhões, como aquelas ondas de
praias de tombo. Mas há um outro lado que olha para dentro. Aí nos
defrontamos com uma única coisa, o desejo mais profundo do nosso
coração, aquela coisa que, se a tivéssemos, nos traria alegria.
Jesus contou a parábola de um homem que tinha muitas joias e que, ao
encontrar uma única pérola maravilhosa, vendeu as muitas para
comprar uma única. No primeiro lado mora o conhecimento, a ciência,
a bolsa de valores, a cotação do dólar, as coisas que se podem
comprar, e todas as coisas que compõem a nossa vida de fora. Essas
coisas são “meios para se viver” – ferramentas que podemos
usar. No segundo lado mora a sabedoria, que é a capacidade para
discernir as coisas que valem a pena. Num bufê, você encheria o seu
prato com tudo o que está na mesa? Somente um tolo faria isso. Você
consultaria o seu desejo: “De tudo isso que está à minha frente,
o que é que realmente desejo comer?”. Tolos são aqueles que,
seduzidos pela multiplicidade, se entregam vorazmente a ela. Eles
acabam tendo uma terrível indigestão... Sábios são aqueles que,
da multiplicidade, escolhem o essencial. Simplicidade é isso:
escolher o essencial.
Rubem
Alves, in Ostra feliz não faz pérola
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