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Ninguém
conhece a alma humana melhor do que um jogador de pôquer. A sua e a
do próximo. Numa mesa de pôquer o homem chega ao pior e ao melhor
de si mesmo, e vai da euforia ao ódio numa rodada. Mas sempre como
se nada estivesse acontecendo. Os americanos falam do poker face, a
cara de quem consegue apostar tendo um Royal Straight Flush ou nada
na mão com a mesma impassividade, embora a lava esteja turbilhonando
dentro. Porque sabe que está rodeado de fingidos, o jogador de
pôquer deve tentar distinguir quem tem jogo de quem não tem e está
blefando por um tremor na pálpebra, por um tique na orelha. Ou
ultrapassando a fachada e mergulhando na alma do outro. Não se trata
de adivinhar o caráter. Não é uma questão de caráter. O blefe é
um lance tão legítimo quanto qualquer outro no pôquer. Os puros
são até melhores blefadores pois só quem não tem culpa pode
sustentar um poker face perfeito sob o escrutínio hostil da mesa. Há
quem diga que ganhar com um blefe supõe ganhar com boas cartas e que
é no blefe que o pôquer deixa de ser um jogo de azar, e portanto de
acaso, e se torna um jogo de talento. Já fora do pôquer o blefe
perde sua respeitabilidade. É apenas sinônimo de engodo, geralmente
aplicado a pessoas que não eram o que pareciam ou fingiam ser. A
história dos presidentes do Brasil desde Jânio tem sido uma
sucessão de blefes. Jango também foi um blefe, na medida em que
aparentava ter um poder que não tinha. O golpe de 64 foi um blefe
para quem acreditou nele. Um blefe involuntário. Sarney não foi um
blefe completo porque ninguém esperava que ele fosse muito
diferente. Collor foi um blefe deliberado que manteve a versão
política do poker face, que é uma cara-de-pau sustentada mesmo sob
a ameaça do ridículo. E chegamos à social-democracia brasileira no
poder, que pode até estar agradando a muita gente, mas é outro
blefe em relação às expectativas que criou e ao que podia ter
sido. Ou talvez esse blefe tenha uma história antiga, e a gente é
que não tinha notado.
Luís
Fernando Veríssimo, in As mentiras que os homens contam
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