Era
linda, era filha, era única. Filha de rei. Mas de que adiantava ser
princesa se não tinha com quem brincar? Sozinha, no palácio,
chorava e chorava, dias e noites, sem parar. Não queria saber de
bonecas, não queria saber de brinquedos. Queria uma amiga para
gostar.
De
noite o rei ouvia os soluços da filha. De que adiantava a coroa se a
filha da gente chora à noite? Decidiu acabar com tanta tristeza.
Chamou o vidraceiro, chamou o moldureiro. E em segredo mandou fazer o
maior espelho do reino. E em silêncio mandou colocar o espelho ao pé
da cama da filha que dormia.
Quando
a princesa acordou, já não estava sozinha. Uma menina linda e única
olhava para ela, os cabelos ainda desfeitos do sono. Rápido saltaram
as duas da cama. Rápido chegaram perto e ficaram se encontrando. Uma
sorriu e deu bom dia. A outra deu bom dia sorrindo.
–
Engraçado
– pensou uma –, a outra é canhota.
E
riram as duas. Riram muito depois. Felizes juntas, felizes iguais.
A
brincadeira de uma era a graça da outra. O salto de uma era o pulo
da outra. E quando uma estava cansada, a outra dormia… O rei,
encantado com tanta alegria, mandou fazer brinquedos novos, que
entregou à filha numa cesta. Bichos, bonecas, casinhas e uma bola de
ouro. A bola no fundo da cesta. Porém tão brilhante, que foi o
primeiro presente que escolheram. Rolaram com ela no tapete, lançaram
na cama atiraram para o alto. Mas quando a princesa resolveu jogá-la
nas mãos da amiga…, a bola estilhaçou jogo e amizade.
Uma
moldura vazia, cacos de espelho no chão. A tristeza pesou nos olhos
da única filha do rei. Abaixou a cabeça para chorar. A lágrima
inchou, já ia cair, quando a princesa viu o rosto que tanto amava.
Não um só rosto de amiga, mas tantos rostos de tantas amigas nos
cacos que cobriam o chão.
–
Engraçado
são canhotas – pensou.
E
riram. Riram por algum tempo depois. Era diferente brincar com tantas
amigas. Agora podia escolher.
Um
dia escolheu uma e logo se cansou. No dia seguinte preferiu outra, e
esqueceu-se dela logo em seguida. Depois outra e outra, até achar
que todas eram poucas. Então pegou uma, jogou contra a parede e fez
duas. Cansou das duas, pisou com o sapato e fez quatro. Não achou
mais graça nas quatro, quebrou com o martelo e fez oito. Irritouse
com as oito partiu com uma pedra e fez doze. Mas duas eram menores do
que uma, quatro menores do que duas, oito menores do que quatro, doze
menores do que oito. Menores cada vez menores. Tão menores que não
cabiam em si, pedaços de amigas com as quais não se podia brincar.
Um
olho, um sorriso, um pedaço de si. Depois, nem isso, pó brilhante
de amigas espalhado pelo chão. Sozinha outra vez a filha do rei.
Chorava. Nem sei. Não queria saber das bonecas, não queria saber
dos brinquedos.
Saiu
do palácio e foi correr no jardim para cansar a tristeza. Correu,
correu, e a tristeza continuava com ela. Correu pelo bosque, correu
pelo prado. Parou à beira do lago.
No
reflexo da água, a amiga esperava por ela. Mas a princesa não
queria mais uma única amiga, queria tantas, queria todas: aquelas
que tinha tido e as novas que encontraria. Soprou na água. A amiga
encrespou-se, mas continuou sendo uma.
Então
a linda filha do rei atirou-se na água de braços abertos,
estilhaçando o espelho em tantos cacos, tantas amigas que foram
afundando com ela, sumindo nas pequenas ondas com que o lago arrumava
sua superfície.
Marina
Colasanti,
in
Uma
ideia toda azul
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