A
maior desgraça de uma nação pobre é que, em vez de produzir
riqueza, produz ricos. Mas ricos sem riqueza. Na realidade, melhor
seria chamá-los não de ricos mas de endinheirados. Rico é quem
possui meios de produção. Rico é quem gera dinheiro e dá emprego.
Endinheirado é quem simplesmente tem dinheiro. Ou que pensa que tem.
Porque, na realidade, o dinheiro é que o tem a ele.
A
verdade é esta: são demasiado pobres os nossos “ricos”. Aquilo
que têm, não detêm. Pior: aquilo que exibem como seu, é
propriedade de outros. É produto de roubo e de negociatas. Não
podem, porém, estes nossos endinheirados usufruir em tranquilidade
de tudo quanto roubaram. Vivem na obsessão de poderem ser roubados.
Necessitavam de forças policiais à altura. Mas forças policiais à
altura acabariam por lançá-los a eles próprios na cadeia.
Necessitavam de uma ordem social em que houvesse poucas razões para
a criminalidade. Mas se eles enriqueceram foi graças a essa mesma
desordem.
O
maior sonho dos nossos novos-ricos
é, afinal, muito pequenito: um carro de luxo, umas efêmeras
cintilâncias. Mas a luxuosa viatura não pode sonhar muito, sacudida
pelos buracos das avenidas. O Mercedes
e
o BMW não
podem fazer inteiro uso dos seus brilhos, ocupados que estão em se
esquivar entre chapas, muito convexos e estradas muito concavas. A
existência de estradas boas dependeria de outro tipo de riqueza. Uma
riqueza que servisse a cidade. E a riqueza dos nossos novos-ricos
nasceu de um movimento contrário: do empobrecimento da cidade e da
sociedade.
As
casas de luxo dos nossos falsos ricos são menos para serem habitadas
do que para serem vistas. Fizeram-se para os olhos de quem passa. Mas
ao exibirem-se, assim, cheias de folhos e chibantices, acabam
atraindo alheias cobiças. Por mais guardas que tenham à porta, os
nossos pobres-ricos não afastam o receio das invejas e dos feitiços
que essas invejas convocam. O fausto das residências não os torna
imunes. Pobres dos nossos riquinhos!
São
como a cerveja tirada à pressão. São feitos num instante mas a
maior parte é só espuma. O que resta de verdadeiro é mais o copo
que o conteúdo. Podiam criar gado ou vegetais. Mas não. Em vez
disso, os nossos endinheirados feitos sob pressão criam amantes. Mas
as amantes (e/ou os amantes) têm um grave inconveniente: necessitam
de ser sustentadas com dispendiosos mimos. O maior inconveniente é
ainda a ausência de garantia do produto. A amante de um pode ser,
amanhã, amante de outro. O coração do criador de amantes não tem
sossego: quem traiu sabe que pode ser traído.
Mia
Couto,
in Pensatempos
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