Durante
todo aquele verão o trabalho da granja andou como um relógio. Os
bichos, felizes como nunca. Cada bocado de comida constituía um
extremo prazer, agora que a comida era realmente deles, produzida por
eles e para eles, em vez de distribuída em pequenas quantidades por
um dono cheio de má vontade. Ausentes os inúteis parasitas humanos,
mais sobrava para cada um. Havia também mais lazer, muito embora os
animais fossem inexperientes nisso. Encontraram muitas dificuldades —
por exemplo, no fim do ano, quando colheram os cereais, foram
obrigados a pisá-los, à moda antiga, e soprar as cascas, pois a
granja não possuía uma debulhadeira — mas os porcos, com a
inteligência, e Sansão, com seus músculos fantásticos,
sobrepujavam-nas. Sansão era a admiração de todos. Já era
trabalhador no tempo de Jones; agora, como que valia por três. Dias
houve em que todo trabalho da granja parecia recair sobre seus fortes
ombros. Da manhã à noite lá estava ele, puxando e empurrando,
sempre, no lugar onde o trabalho era mais pesado. Fizera um trato com
um dos galos para ser chamado meia hora mais cedo que os demais,
todas as manhãs, e empregava esse tempo em trabalho voluntário no
que parecesse mais necessário. Sua solução para cada problema,
para cada contratempo, era “Trabalharei mais ainda”, frase que
adotara como seu lema particular.
Cada
qual trabalhava de acordo com sua capacidade. As galinhas e os patos,
por exemplo, economizaram cinco baldes de trigo, na colheita,
juntando os grãos extraviados. Ninguém roubava, ninguém resmungava
a respeito das rações. A discórdia, as mordidas, o ciúme, coisas
normais nos velhos tempos, tinham quase desaparecido. Ninguém se
esquivava ao trabalho — ou quase ninguém. Ë bem verdade que
Mimosa não gostava de levantar cedo e costumava abandonar o trabalho
antes dos demais, sob o pretexto de estar com uma pedra encravada no
casco. E o comportamento do gato era um tanto estranho. Em seguida
notou-se que ele nunca podia ser encontrado quando havia trabalho por
fazer. Desaparecia durante várias horas consecutivas e voltava a
aparecer à hora das refeições, ou à tardinha, após o fim dos
trabalhos, como se nada houvesse acontecido. Apresentava, porém,
desculpas tão boas e rosnava de maneira tão carinhosa, que era
impossível não crer em suas boas intenções. O velho Benjamim, o
burro, nada mudara, após a Revolução. Executava sua tarefa da
mesma forma obstinadamente lenta com que o fazia nos tempos de Jones.
Não se esquivava ao trabalho normal, mas nunca era voluntário para
extraordinários. Sobre a Revolução e seus resultados, não emitia
opinião. Quando lhe perguntavam se não era mais feliz, agora que
Jones se havia ido, respondia apenas “Os burros vivem muito tempo.
Nenhum de vocês jamais viu um burro morto”, e os outros tinham que
contentar-se com essa obscura resposta.
Aos
domingos, não se trabalhava. A refeição da manhã era uma hora
mais tarde e, depois dela, havia uma cerimônia que se realizava
todas as semanas, indefectivelmente. Começava com o hasteamento da
bandeira. Bola-de-Neve achara, no depósito, uma velha toalha verde
de mesa e pintara no centro, em branco, um chifre e uma ferradura.
Essa era bandeira que subia ao topo do mastro todos os domingos pela
manhã. O verde da bandeira, explicava Bola-de-Neve, representava os
verdes campos da Inglaterra, ao passo que o chifre e a ferradura
simbolizavam a futura República dos Bichos, cujo advento teria lugar
no dia em que o gênero humano, enfim, desaparecesse. Após o
hasteamento da bandeira, iam todos ao grande celeiro, para assistir a
uma assembleia geral conhecida como “a Reunião”. Lá planejavam
o trabalho da semana seguinte e discutiam as resoluções. Estas eram
sempre apresentadas pelos porcos. Os outros animais aprenderam a
votar, mas nunca conseguiram imaginar uma resolução por conta
própria. Bola-de-Neve e Napoleão eram sempre mais ativos nos
debates. Notou-se, porém, que dois nunca estavam de acordo: qualquer
sugestão de um podia contar, na certa, com a oposição do outro.
George
Orwell, in A revolução dos bichos
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