terça-feira, 17 de maio de 2016

A esperteza (À maneira dos... croatas)


- Deus do céu, meu sobrinho, este pano ainda está aqui? - disse o velho comerciante eslavo, quando, ao mexer na prateleira de fazendas, encontrou uma peça que tinha colocado ali há mais de seis meses.
- Mas, tio, como é que eu posso vender essa fazenda? - perguntou-respondeu o sobrinho. - Está velha, manchada, mofada, e o padrão saiu de moda há muito tempo.
- Ora, meu caro sobrinho, vendendo. Olha! Vem a calhar. Veja e aprenda - disse o velho fazendeiro ao ver entrar na loja uma velhinha, daquelas que, a essa altura, nem velhinha deveria ser mais.
- Que deseja, minha senhora? - falou ele, cheio de mesuras. E, antes que a velhinha se explicasse em sua voz já longínqua, passou a mostrar rolos e rolos de fazenda, sem mostrar, naturalmente, a que pretendia mesmo vender, mas deixando sempre que ficasse bem visível aos olhos da velhinha. E, como os leitores já adivinharam, depois de algum tempo a velhinha saía da loja com a peça de fazenda velha e mofada, tendo pago por ela o dobro do preço que pagaria por uma peça nova. Mas aparentemente convencida do que lhe dissera o vendedor: estava comprando uma raridade inglesa, um desenho único, etcétera, etcétera, etcétera. Quando a velha saiu, o velho mercador mostrou pro sobrinho a nota de quinhentão que ela deixara e lhe deu a lição definitiva e eterna da história do comércio:
- Vê, meu sobrinho, uma mercadoria jamais se vende pelas suas qualidades, mas sim pelas qualidades do vendedor. A mercadoria tem o valor de quem a propõe no mercado.
O garoto olhou a nota espantado e disse ao tio:
- Maravilhoso, meu tio, e profundamente verdadeiro. Mas tem também o valor da malandragem do comprador que faz sempre o preço da mercadoria reverter a seu valor verdadeiro. Vê só, tio: a velhinha pagou ao senhor uma nota falsa. Bota os óculos.
MORAL: Não há vitória definitiva.
Millôr Fernandes, in Fábulas Fabulosas

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