terça-feira, 5 de abril de 2016

Tempos de tormenta


Vó, vim ajudar a debulhar.
Já acabamos. Mas vamos fazer chocolate. Onde é que você se meteu? O tempo inteiro que durou a tormenta ficamos procurando você.
Eu estava no quintal de lá.
E fazendo o quê? Rezando?
Não, vó, eu só estava vendo chover.
A avó olhou para ele com aqueles seus olhos meio acinzentados, meio amarelados, que pareciam adivinhar o que havia dentro da gente.
Pois então vai lá limpar o moinho.
A centenas de metros, acima de todas as nuvens, além, muito além de tudo, você está escondida, Susana. Escondida na imensidão de Deus, atrás de sua Divina Providência, onde não consigo alcançar você nem ver você e onde minhas palavras não chegam.”
Vó, o moinho está quebrado, a moenda quebrou.
Essa Micaela deve ter moído milho com espiga e tudo. Ela não perde essa mania horrorosa; mas, enfim, se não tem mais remédio...
E por que a gente não compra outro? Esse aí nem servia mais, de tão velho.
Você tem razão. Só que com os gastos que tivemos para enterrar seu avô, mais dízimos que pagamos para a Igreja, ficamos sem nenhum centavo. E ainda assim, haveremos de fazer um sacrifício, e compraremos outro. Seria bom você ir até a dona Inés Villalpando pedir que nos deixasse fiado até outubro. A gente paga com a colheita.
Está bem, vó.
E aproveita para fazer o mandado completo, e peça a ela que nos empreste uma peneira e uma podadeira; do jeito que as plantas cresceram, já, já se metem em tudo. Se eu tivesse minha casa grande, com aqueles currais grandes, não estaria me queixando. Mas seu avô empacou nessa ideia de virmos para cá. Que seja tudo por Deus: as coisas nunca saem do jeito que a gente quer. Diga a dona Inés que na colheita a gente paga tudo que deve.
Está bem, vó.
Havia colibris. Era o tempo. Dava para ouvir o zumbido de suas asas entre o jasmineiro que estava carregado de flores.
Deu uma volta pela prateleirinha feito altar do Sagrado Coração e encontrou 24 centavos. Deixou os 4 e pegou os 20.
Antes de sair, sua mãe o deteve:
Aonde é que você vai?
Até a dona Inés Villalpando ver um moinho novo. O que a gente tinha quebrou.
Diga a ela que mande um metro de tafetá preto, igual a este aqui — e deu uma amostra a ele. — Que ponha na nossa conta.
Está bem, mamãe.
E na volta me compre umas aspirinas. No vaso do corredor você vai encontrar dinheiro.
Encontrou um peso. Deixou os 20 centavos e apanhou o peso.
Agora, vai sobrar dinheiro para o que eu quiser”, pensou.
Pedro! – gritou alguém. – Pedro!
Mas ele não ouviu. Estava muito longe.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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