Então
ela toca a campainha dentro de você no exato momento que o poema
mais lírico do dia salta do Viaduto do Chá e toda a
responsabilidade burocrática e deveres sociais vão para o inferno
junto com o contrato com a editora que certamente me deixará rico
morando num flat de Pinheiros. O cheiro dela entranha no meu esôfago
e foda-se o trabalho, a dívida do Bradesco, o fígado e o rim que
sempre falha junto com a mixaria que sai da carteira para o balcão
de botecos da Augusta, biqueiras de raspa de poste da zona sul e táxi
com putas feias que nem me fazem gozar. E você amanhece mais uma vez
e não se conforma que ela tenha trocado toda minha maravilhosa
literatura por um professor patético do Mackenzie que se acha
anarquista mesmo dirigindo um Volkswagen quatro portas ano 2015 e
bebendo cerveja long neck de 12 reais em baladinhas da Vila Madalena.
Você lembra-se dos discos palhas do Criolo que ela gosta tanto e as
conversas moles do Marcelo Camelo e a poesia melosa de comercial de
margarina dos amigos de faculdade de letras e o que tinha de ternura
embaixo dessa garoa paulista de virar pneumonia torna-se ódio e o
primeiro cara que pisar no meu pé vai levar uma garrafada na cara e
o sangue vai respingar no azulejo formando o nome da mulher que por
muito tempo deitava a cabeça de medusa no meu peito em tardes de
sábado para escutar as coisas mais bonitas que um índio velho,
gordo, feio e drogado que sou eu pode dar.
Diego Moraes, in ursocongelado.tumblr.com
Diego Moraes, in ursocongelado.tumblr.com
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