quinta-feira, 14 de abril de 2016

Chá

Então ela toca a campainha dentro de você no exato momento que o poema mais lírico do dia salta do Viaduto do Chá e toda a responsabilidade burocrática e deveres sociais vão para o inferno junto com o contrato com a editora que certamente me deixará rico morando num flat de Pinheiros. O cheiro dela entranha no meu esôfago e foda-se o trabalho, a dívida do Bradesco, o fígado e o rim que sempre falha junto com a mixaria que sai da carteira para o balcão de botecos da Augusta, biqueiras de raspa de poste da zona sul e táxi com putas feias que nem me fazem gozar. E você amanhece mais uma vez e não se conforma que ela tenha trocado toda minha maravilhosa literatura por um professor patético do Mackenzie que se acha anarquista mesmo dirigindo um Volkswagen quatro portas ano 2015 e bebendo cerveja long neck de 12 reais em baladinhas da Vila Madalena. Você lembra-se dos discos palhas do Criolo que ela gosta tanto e as conversas moles do Marcelo Camelo e a poesia melosa de comercial de margarina dos amigos de faculdade de letras e o que tinha de ternura embaixo dessa garoa paulista de virar pneumonia torna-se ódio e o primeiro cara que pisar no meu pé vai levar uma garrafada na cara e o sangue vai respingar no azulejo formando o nome da mulher que por muito tempo deitava a cabeça de medusa no meu peito em tardes de sábado para escutar as coisas mais bonitas que um índio velho, gordo, feio e drogado que sou eu pode dar. 

Diego Moraes, in ursocongelado.tumblr.com

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