“O
relato das conversas de Sócrates que os seus amigos nos legaram tem
a nossa aprovação apenas porque nos sentimos intimidados pela
aprovação geral delas. Não se trata de uma coisa que venha do
nosso conhecimento; uma vez que não se adaptam às nossas práticas;
se alguma coisa de semelhante viesse a ser produzida nos nossos dias
poucos haveria que as tivessem em grande consideração. Não somos
capazes de apreciar qualquer honra que não esteja salientada,
inflacionada e aumentada pelo artifício.
Tais honras que tantas vezes surgem disfarçadas com a ingenuidade e
a simplicidade, dificilmente seriam notadas por uma visão interior
tão grosseira como a nossa... Para nós não será a ingenuidade um
parente próximo da simplicidade de espírito e uma qualidade
merecedora de censura? Sócrates fazia mover a sua alma com o
movimento natural das pessoas comuns: assim fala um camponês, assim
fala uma mulher... As suas induções e comparações são retiradas
das mais comuns e mais conhecidas atividades do homem; qualquer
pessoa é capaz de as compreender. Sob uma forma tão comum nos
nossos dias nunca teríamos sido capazes de discernir a nobreza e
esplendor destes conceitos espantosos; nós que estamos habituados a
criticar todo aquele que não esteja inchado pela erudição para ser
base e lugar-comum e que não temos consciência dos ricos a não ser
quando pomposamente exibidos.”
Michel
de Montaigne,
in Ensaios
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