quarta-feira, 9 de março de 2016

Uma vila sem ruídos


Era a hora em que as crianças de todos os povoados brincam nas ruas, enchendo a tarde com seus gritos. Quando até mesmo as paredes negras refletem a luz amarela do sol.
Pelo menos foi o que eu havia visto em Sayula, ontem mesmo, a esta mesma hora. E vira também o voo das pombas rompendo o ar quieto, sacudindo suas asas como se se soltassem do dia. Voavam ou caíam sobre os telhados, enquanto os gritos das crianças revoavam e pareciam tingir-se de azul no céu do entardecer.
Agora eu estava aqui, nesta vila sem ruídos. Ouvia meus passos caírem sobre as pedras redondas que empedravam as ruas. Meus passos ocos, repetindo seu som no eco das paredes tingidas pelo sol do entardecer.
Naquela hora, fui andando pela rua principal. Olhei as casas vazias; as portas cambaias, invadidas pela erva. Como foi mesmo que aquele fulano me disse que essa erva se chamava? “A capitânia, senhor. Uma praga que só espera que as pessoas saiam para invadir as casas. O senhor vai ver”.
Ao passar num cruzamento vi uma senhora envolta em seu xale, e que desapareceu como se não existisse. Depois meus passos tornaram a se mover e meus olhos continuaram espiando o vazio das portas. Até que novamente a mulher de xale passou na minha frente.
Boa noite! — ela me disse.
Segui-a com o olhar. Gritei:
Onde mora a dona Eduviges?
E ela apontou com o dedo:
Lá. Na casa que fica ao lado da ponte.
Notei que sua voz estava feita de fiapos humanos, que sua boca tinha dentes e uma língua que se travava e destravava ao falar, e que seus olhos eram como todos os olhos das pessoas que vivem sobre a terra.
Havia escurecido.
Tornou a me dar boa-noite. E embora não houvesse crianças brincando, nem pombas, nem telhados azuis, senti que o povoado vivia. E que se eu escutava somente o silêncio era porque ainda não estava acostumado ao silêncio; talvez porque minha cabeça viesse cheia de ruídos e de vozes.
De vozes, sim. E aqui, onde o ar era escasso, ouviam-se melhor essas vozes. Ficavam dentro da gente, pesadas. Recordei o que minha mãe me dissera: “Lá, você me ouvirá melhor. Estarei mais perto de você. Você irá sentir mais perto a voz de minhas lembranças do que a da minha morte, se é que algum dia a morte teve alguma voz. ” Minha mãe... a viva.
Queria ter dito a ela: “Você enganou-se de endereço. E me deu um endereço errado. E me mandou ao ‘onde fica isto, onde fica aquilo?’ A um povoado solitário. Procurando alguém que não existe.”
Cheguei à casa da ponte orientando-me pelo barulho do rio. Bati na porta. Mas em falso. Minha mão sacudiu-se no ar como se o ar tivesse aberto a porta. Uma mulher estava lá. Ela me disse:
Entre, senhor.
E entrei.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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