Você
está de boa escrevendo seu romance numa tarde de sábado. No
capítulo que o protagonista tenta fazer as pazes com a irmã de
criação que por anos só queria um abraço dele. E ele por puro
egoísmo e indiferença a ignora num terminal de ônibus num dia
chuvoso: “oi, sou sua irmã.” “irmã em cristo?” e ela dentro
do capítulo sai correndo do sarcasmo. Chorando. Inconsolável. E
fora dele, do romance, que será atacado pela crítica como
apelativo, de autoficção pornográfica, autor imundo, apologista e
o caralho a quatro. O homem que talvez seja o protagonista. Que
talvez seja o narrador. Que está do outro lado dessa tela de
computador escrevendo… Por tantas vezes não quis retribuir a pata
do seu cão sarnento. Não quis estender a mão. Por quantas vezes
não quis fazer carinho no seu lombo cheio de sarnas e carrapatos.
Por quantas vezes recusou o convite de noivado da única puta do
amazonas que beija na boca dos clientes? Quantas vezes de orgulho
ferido e humilhado feito cavalo sem dentes que chega por último no
páreo. Brincou quantas vezes com os sentimentos de senhoras
divorciadas dizendo que voltaria? “oi sou sua irmã” e repetidas
vezes ele sonha com a voz da pequena garota desprezada por todos.
Pelos avós alcoólatras. Pela mãe doente mental que grita em cultos
da assembleia de deus aos domingos e joga na cara da guria que ela
não passa de uma fornicação suja de pomba gira. “oi, sou sua
irmã”. Então um amigo liga para esse sujeito que não sabemos se
é o narrador, protagonista ou apenas um cafajeste do outro lado da
tela do computador e diz: “deixa a literatura de lado e vamos
cheirar. Tem dois travecos e uma ninfetinha pra gente foder.” Aí
abro um sorriso na esperança de disfarçar a tentação e bebo um
pouco de refrigerante sem gás e pergunto para mim mesmo: “e agora
literatura? Você tem sexo? Você é homem ou mulher? Você tem pau
ou boceta?” então asas levam a minha caneta bic vermelha em
direção ao caderno no criado-mudo onde descansam folhas rabiscadas
de delírios tortos e estoura formando um coração. Desligo o
computador. Eu, o narrador, o protagonista e todos os personagens
possíveis que encarnam no espírito de um escritor arregalaram os
olhos. Ela, a puta de todos os fodidos, a sagrada literatura,
responde: “Não saia. Fique aqui. Sou sua irmã”.
Diego
Moraes, in
ursocongelado.tumblr.com
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