sexta-feira, 18 de março de 2016

Eduviges Dyada

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Sou Eduviges Dyada. Entre, senhor.
Era como se estivesse à minha espera. Tinha tudo pronto, pelo que me disse, fazendo que eu a seguisse por uma longa série de quartos escuros, que pareciam desolados. Mas não; porque assim que me acostumei ao escuro e ao delgado fio de luz que nos seguia, vi crescerem sombras em ambos os lados e senti que íamos caminhando através de um corredor estreito aberto entre vultos.
O que é que tem aqui? — perguntei.
Trastes velhos — me disse ela. — Estou com a casa toda entrastada. Fui escolhida para guardar os móveis dos que foram embora, e ninguém regressou atrás deles. Mas o quarto que reservei para o senhor fica nos fundos. Deixo esse quarto sempre vazio, para o caso de chegar alguém. E quer dizer então que o senhor é filho dela?
Ela quem?
Doloritas.
Sou, mas como é que a senhora sabe?
Ela me avisou que o senhor viria. E justamente hoje. Que chegaria hoje.
Quem avisou? Minha mãe?
Sim. Ela.
E eu não soube o que pensar. Nem ela me deixou pensar:
Este aqui é o seu quarto.
Não tinha portas, somente aquela pela qual havíamos entrado. Ela acendeu a vela e eu vi o vazio.
Aqui não tem onde deitar.
Não se preocupe com isso. O senhor deve estar cansado e o sono é um colchão muito bom para o cansaço. Amanhã eu arrumo a sua cama. Como o senhor sabe, não é fácil ajeitar tudo num dois-por-três. Para isso é preciso andar prevenido, e sua mãe só me avisou agora.
Minha mãe — eu disse –, minha mãe já morreu.
Com razão a voz dela estava tão fraca, como se tivesse precisado atravessar uma distância muito grande até chegar aqui. Agora eu entendo. E morreu faz quanto tempo?
Já faz sete dias.
Coitada dela. Deve ter-se sentido abandonada. Fizemos a promessa de morrer juntas. De irmos embora nós duas, para dar ânimo uma à outra durante a viagem, se fosse preciso, se por acaso encontrássemos alguma dificuldade. Éramos muito amigas. Ela nunca falou de mim para o senhor?
Não, nunca.
Acho estranho. Claro que naquela época éramos menininhas. E ela era recém-casada. Mas nós duas gostávamos muito uma da outra. Sua mãe era tão bonita, tão, digamos, tão doce, que dava gosto gostar dela. Dava vontade de gostar dela. Quer dizer então que ela foi-se embora na frente, não é mesmo? Mas tenha certeza de que vou alcançá-la. Só eu entendo como o céu está longe de nós; mas sei como encurtar as veredas. Tudo consiste em morrer, graças a Deus, quando a gente quiser e não quando Ele dispuser. Ou, se você preferir, forçá-lo a querer antes da hora. Perdoe chamar o senhor de você; se faço isso é porque o considero como filho. Sim, muitas vezes eu disse; “O filho de Dolores deveria ter sido meu.” Depois eu conto por quê. A única coisa que quero dizer agora é que alcançarei sua mãe em algum dos caminhos da eternidade.
Eu achava que aquela mulher estava louca. Depois não achei mais nada. Eu me senti num mundo distante e deixei-me arrastar. Meu corpo, que parecia afrouxar-se, dobrava-se diante de tudo, havia soltado suas amarras e qualquer um podia brincar com ele como se fosse de trapo.
Estou cansado — disse a ela.
Antes venha comer alguma coisa. Uma coisinha. Qualquer coisa.
Vou. Depois vou.
Juan Rulfo, in Pedro Páramo

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