Carla
Bruni, ex-top model, cantora, compositora e atual primeira dama da
França, declarou em entrevista que seu casamento com o presidente
Nicolas Sarkozy foi muito rock’n’roll, usando uma expressão
pouco usual para definir um relacionamento. Geralmente as relações
amorosas estão mais para tango argentino.
A
comparação com o rock veio do fato de ela, que sempre teve uma vida
agitada, independente e fora dos padrões, ter se atrevido a um
envolvimento formal com um chefe de Estado, cuja convivência exige o
cumprimento de protocolos bem convencionais. E a recíproca é
verdadeira, pois não são muitos os mandatários de uma nação que
se divorciam e depois casam com uma artista que já é mãe e que tem
no currículo namorados como Eric Clapton e Mick Jagger. Às favas
com o bom-mocismo: o casal bancou o arranjo inusitado e parece levar
muito bem sua relação.
O
conceito “rock’n’roll”, ao menos da forma como foi utilizado
por Carla Bruni, nada tem a ver com noitadas, bebedeiras e drogas.
Diz ela que sua rotina com o marido é bastante tranquila e discreta,
e o que a fez se apaixonar por Sarkozy foi a descoberta de que ele,
um dos homens mais poderosos do mundo, era um dedicado amante da
jardinagem. Como se explica esse bolero em lugar do heavy metal?
Por
muito tempo, o rock sobreviveu de sua má fama. O músico Frank Zappa
certa vez disse que um repórter de rock é um jornalista que não
sabe escrever, entrevistando gente que não sabe falar, para pessoas
que não sabem ler. Ajudou a colocar uma laje sobre qualquer
sofisticação que o rock viesse a almejar – ainda bem que o rock
nunca teve essa pretensão, mas teve outras e parece que as realizou.
O
rock’n’roll deixou de ser apenas um gênero de música. Dizer que
ele simboliza atitude virou um clichê intragável, mas foi o que
Carla Bruni tentou exprimir com sua declaração, só que sob um
enfoque ampliado. A rebeldia do rock nada mais tem a ver com cortes
de cabelo, modos de vestir ou hábitos ilícitos, e sim com o que lhe
amparou os primeiros passos, lá atrás, nos tempos de Chuck Berry e
Elvis Presley: a liberdade de fazer o que se quer, a despeito do que
os outros vão pensar. Criar música não só para alma, mas para o
corpo. Provocar reações físicas, despertar os ânimos, desafiar o
silêncio. Acordar.
Não
é preciso guitarras para fazer barulho. As pessoas mais roqueiras
que conheço são apreciadoras de jazz, bossa nova e música
clássica. Um casamento rock’n’roll nada mais é do que um
compromisso entre um homem e uma mulher com facilidade em aceitar
mudanças, coragem para sair das zonas de conforto, capacidade de
surpreender e autoconfiança para ser quem verdadeiramente são,
estejam no palco que estiverem. É por isso que o rock, até então
um substantivo que designava um estilo musical, expandiu-se.
Analisado como postura de vida, foi promovido a adjetivo.
Martha
Medeiros,
in A
graça da coisa
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