“Os
cavalos suavam sal e espuma. Muita vez a gente cumpria por picadas no
mato, caminho de anta ― a ida da vinda... De noite, se é de ser, o
céu embola um brilho. Cabeça da gente quase esbarra nelas. Bonito
em muito comparecer, como o céu de estrelas, por meados de
fevereiro! Mas, em deslúa, no escuro feito, é um escurão, que pêia
e péga. E noite de muito volume. Treva toda do sertão, sempre me
fez mal. Diadorim, não, ele não largava o fogo de gelo daquela
ideia; e nunca se cismava. Mas eu queria que a madrugada viesse. Dia
quente, noite fria. Arrancávamos canela-de-ema, para acender
fogueira. Se a gente tinha o que comer e beber, eu dormia logo.
Sonhava. Só sonho, mal ou bem, livrado. Eu tinha uma lua recolhida.
Quando o dia quebrava as barras, eu escutava outros pássaros.Tirirí,
graúna, a fariscadeira, juriti-do-peito-branco ou a
pomba-vermelha-do-mato-virgem. Mas mais o bem-te-vi. Atrás e adiante
de mim, por toda a parte, parecia que era um bem-te-vi só. ―
Gente! Não se acha até que ele é sempre um, em mesmo? ―
perguntei a Diadorim. Ele não aprovou, e estava incerto de feições.
Quando meu amigo ficava assim, eu perdia meu bom sentir. E permaneci
duvidando que seria ― que era um bem-te-vi, exato, perseguindo
minha vida em vez, me acusando de más-horas que eu ainda não tinha
procedido. Até hoje é assim... Dali vindo, visitar convém ao
senhor o povoado dos pretos: esses bateavam em faisqueiras ― no
recesso brenho do Vargem-da-Cria ― donde ouro já se tirou. Acho,
de baixo quilate. Uns pretos que ainda sabem cantar gabos em sua
língua da Costa. E em andemos! jagunço era que perpassava ligeiro;
no chapadão, os legítimos coitados todos vivem é demais devagar,
pasmacez. A tanta miséria. O chapadão, no pardo, é igual, igual ―
a muita gente ele entristece; mas eu já nasci gostando dele. As
chuvas se temperaram...”
Guimarães
Rosa, in
Grande sertão: veredas
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