Meu
Deus, e eu que não sei rezar? Como viver então? Não é só para
pedir por mim e por outros, mas para sentir, para agradecer, para de
algum modo entrar num convento, logo eu que sou tão colérica e
feroz.
Existe
uma cartomante que me conheceu mocinha. E agora é ela quem me chama
e não me cobra nada. Apesar de cartomante é profundamente católica.
E tem ido à missa por mim.
Obrigada
por rezar o que eu não sei.
Oh
Deus, eu já fui muito ferida. Mas a quanta gente tenho pelo que
agradecer. Só não cito os nomes para não ferir o pudor de quem eu
citasse. Tenho recebido olhares que valem por uma reza. E há quem já
tenha feito promessa por mim.
E
eu? Vou tentar rezar agora mesmo, despudoradamente em público. É
assim: Meu Deus – não, é inútil, não consigo. Mas talvez dizer
“Meu Deus” já seja uma reza. Há, porém um pedido que posso
fazer e farei agora mesmo: Deus, fazei com que os que eu amo não me
sobrevivam, eu não toleraria a ausência. Pelo menos isso eu peço.
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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