Moçambique
é um extenso país, tão extenso quanto recente. Existem mais de 25
línguas distintas. Desde o ano da Independência, alcançada em
1975, o português é a língua oficial. Há trinta anos apenas, uma
minoria absoluta falava essa língua ironicamente tomada de
empréstimo do colonizador para negar o passado colonial. Há trinta
anos, quase nenhum moçambicano tinha o português como língua
materna. Agora, mais de 12% dos moçambicanos têm o português como
seu primeiro idioma. E a grande maioria entende e fala português
inculcando na norma portuguesa as marcas das culturas de raiz
africana.
Esta
tendência de mudança coloca em confronto mundos que não são
apenas linguisticamente distintos. Os idiomas existem enquanto parte
de universos culturais mais vastos. Há quem lute para manter vivos
idiomas que estão em risco de extinção. Essa luta é absolutamente
meritória e recorda a nossa batalha como biólogos para salvar do
desaparecimento espécies de animais e plantas. Mas as línguas
salvam-se se a cultura em que se inserem se mantiver dinâmica. Do
mesmo modo, as espécies biológicas apenas se salvam se os seus
habitats e os processos naturais forem preservados.
As
culturas sobrevivem enquanto se mantiverem produtivas, enquanto forem
sujeito de mudança e elas próprias dialogarem e se mestiçarem com
outras culturas. As línguas e as culturas fazem como as criaturas:
trocam genes e inventam simbioses como resposta aos desafios do tempo
e do ambiente.
Em
Moçambique vivemos um período em que encontros e desencontros se
estão estreando num caldeirão de efervescências e paradoxos. Nem
sempre as palavras servem de ponte na tradução desses mundos
diversos. Por exemplo, conceitos que nos parecem universais como
Natureza, Cultura e Sociedade são de difícil correspondência.
Muitas vezes não existem palavras nas línguas locais para exprimir
esses conceitos. Outras vezes é o inverso: não existem nas línguas
europeias expressões que traduzam valores e categorias das culturas
moçambicanas.
Mia
Couto, in E se Obama fosse africano?
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