Não
há escritor que não se debata com a difícil questão dos títulos
de suas obras, sejam elas poemas, crônicas, contos, novelas ou
romances. O título faz a primeira ponte com o mundo, é o primeiro
gancho de interesse, a primeira luz do farol no nevoeiro. A obra está
lá, enrodilhada em si mesma, mas escondida, e é preciso uma
etiqueta, um visgo ou um guizo para que ela seja percebida pelo
possível leitor. Nesse instante, o autor defronta-se com uma questão
ética – ser fiel a si mesmo e à obra ou a esse fátuo e
imponderável leitor.
O
leitor é uma abstração. Só existe em potência. Cada uma das
partes envolvidas no processo de criação e produção do livro
idealiza um leitor. Assim, há o leitor ideal do autor, como também
há o leitor ideal do editor, do distribuidor, do livreiro. E lá no
fim do processo, há o leitor real, raro e esquivo, soterrado sob uma
avalanche infinita de títulos. Vigiando a todos, como uma esfinge
hierática e fatal, sorri o Mercado, esse deus insaciável, que
controla o Portal da Cidade do Livro e que deseja títulos vistosos,
agradáveis, comerciais.
Mas,
às vezes, a obra – inteira e autônoma – recusa-se a essas
vestimentas carnavalescas, não querendo chamar tanta atenção sobre
si mesma. Indeciso diante do enigma, o autor só tem duas opções:
deixar a matéria gerar o próprio nome ou fazer aderir um nome
qualquer à matéria. Que ouvido sutil há de ter o autor para captar
o murmúrio da obra! Que espírito pragmático há de ter o autor
para etiquetar, sem nenhuma angústia, o que acabou de produzir!
Edgar
Allan Poe dizia que um título deve prenunciar tudo o que uma obra
contém. Mas Poe, nós sabemos, estava pensando no consumidor ,
estava ajudando a construir uma ética para as relações comerciais
– se vendo um produto, ele deve ser honesto; não é justo vender
gato por lebre. E foi com essa visada pragmática que ele criticou
duramente o título genial de Nathaniel Hawthorne, Twice
told tales!
Ou terá sido por despeito?
Gabriel
García Márquez optou por ser absolutamente honesto e fiel ao
espírito da própria obra, intitulando uma novela de assassinato e
paixão de Crônica de uma morte anunciada . Talvez um dos maiores
achados na história dos títulos. E um dos melhores exemplos de que
o único caminho para um escritor é a radicalidade, a coerência e a
fidelidade à própria obra. Absolutamente fechada em si mesma, ela
se encarregará de dar o bote sobre os leitores, conquistando-os aos
milhares. Ou adormecendo, mofada, nos estoques das distribuidoras.
Se
a palavra efetivamente tem poder, se nomes condicionam destinos, os
escritores devem se preocupar seriamente com os títulos de seus
livros, como os pais com os nomes de seus filhos. Mas, se a palavra é
um mero signo, se ela simplesmente se cola às coisas, na inútil
tentativa de dar-lhes uma significação, é melhor que eles não
resistam ao canto de sereia do Mercado. A este último, no entanto, é
necessário lembrar que um bom título não salva um mau livro, mas
um mau título pode prejudicar um bom livro.
Charles
Kiefer,
in Para
ser escritor
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