Levanto cedo, faço minhas abluções,
ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do
apartamento — mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo
instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera
sobre a “greve do pão dormido”. De resto não é bem uma greve,
é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho
noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com
pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
Está bem. Tomo o meu café com pão
dormido, que não é tão ruim assim. E enquanto tomo café vou me
lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha
deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas,
para não incomodar os moradores, avisava gritando:
— Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a
ideia de gritar aquilo?
“Então você não é ninguém?”
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que
aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a
campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra
pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando
quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: “não
é ninguém, não, senhora, é o padeiro”. Assim ficara sabendo que
não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e
se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que
estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele
tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era
pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois
de uma passagem pela oficina — e muitas vezes saía já levando na
mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da
máquina, como pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele
tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava
para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem
assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão
estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração
eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e
entre todos alegre; “não é ninguém, é o padeiro!”
E assobiava pelas escadas.
Rubem
Braga, in Ai
de ti, Copacabana
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