“Faz
parte da insaciabilidade, mas também da veemência dos anos de
juventude, que um fenômeno, uma experiência, um modelo, elimine o
outro. Somos fogosos e expansivos, apegamo-nos a este ou àquele,
fazemos dele um ídolo, afeiçoando-nos e submetendo-nos com uma
paixão que exclui todo o resto. Assim que esse ídolo nos
decepciona, arrancamo-lo de sua posição elevada e o demolimos sem
escrúpulos; não pretendemos ser justos, porquanto já significou
demais para nós. Erigimos um novo ídolo em meio às ruínas do
antigo. Importa-nos pouco que ele se sinta desconfortável ali. Somos
instáveis e arbitrários com nossos ídolos; não nos perguntamos
sobre seus sentimentos, pois estão ali para serem alçados e
derrubados, e seguem uns aos outros em número espantoso, numa
variedade e contraditoriedade que deveria causar assombro, se nos
ocorresse um dia a ideia de passar todos em revista ao mesmo tempo.
Um ou outro desses ídolos ascende à posição de um deus, resiste e
é poupado — este permanece inatacável. Só o tempo atua sobre
ele, não a nossa própria animosidade. Pode ser corroído pelo
tempo, ou o solo sobre o qual se funda pode aos poucos erodir, mas
mesmo assim, permanecerá, no todo, intacto, não perderá sua
feição.
É
de se imaginar a devastação que sofre esse santuário, que o homem
traz em si, após algum tempo de vida. Nenhum arqueólogo poderia
chegar a uma ideia razoável do edifício. Mesmo aquilo que
permaneceu incólume, as imagens de deuses ainda reconhecíveis, já
forma, por si só, um panteão enigmático. Mas o arqueólogo
encontraria ainda ruínas e mais ruínas, cada vez mais espantosas e
fantásticas. Como poderia ele compreender porque justamente estas
acumulam-se sobre aquelas? A única coisa que possuem em comum é o
modo como foram destruídas: assim, ele só poderia inferir um único
dado, ou seja, que foi sempre a ira do mesmo bárbaro a causadora de
semelhante devastação.”
Elias
Canetti, in A consciência das palavras
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