quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Caminhão de mangai

Seu Tonheiro ajeitava a boleia, limpando o assento, onde só ficavam ele e o ajudante. Caso aparecesse uma mulher grávida, o ajudante mudava-se para a carroceria.
Lá em cima misturavam-se todos. Passageiros, mangaeiros, bodes, galinhas, porcos, panelas, bacias, arreios. O caminhão saía de Olho D’água do Borges com destino a Caicó.
Os internos do Diocesano Seridoense, moradores da região, eram fregueses de vinda, nas férias; e de ida, ao retorno das aulas. Companheiros de viagem, que não tinham outro meio de transporte.
Feirantes de Umarizal, Olho D’água, Caraúbas, Patu, Brejo do Cruz, Belém da Paraíba, Jardim de Piranhas e Caicó. A saída, no começo da noite. A chegada, dependendo dos pregos, podia ser no começo do dia. Normalmente, sem atropelos, entrávamos na ponte do “Barra Nova” por volta da meia noite.
Seu Tonheiro não conversava com ninguém. Era o ajudante, Juvenal, quem transmitia as ordens. Quando estávamos todos aboletados, que deveria dizer carroceirados, Juvenal subia com uma lona azul dobrada e a jogava na proximidade do gigante. Transmitia as ordens do chefe: “Taí a lona, pro caso de chuva. A banda dela que não tem furo é para cobrir os bichos. A banda furada é pra cobertura do povo”.
Dada a ordem, ele pulava e corria para a boleia. Todos cumpriam. Seu Tonheiro era apenas a síntese da elite brasileira. E ordem é pra ser cumprida. Isto é, pelos fracos. A austeridade não chega à soleira dos que mandam, desmandam ou fiscalizam. Mas isso é outra história.
Juvenal era o fiel escudeiro. Só ficava triste quando via chegar uma mulher buchuda.
Contam que numa dessas viagens, o caminhão quase não chega ao destino. Quebrou logo na saída, obrigando Juvenal a voltar a pé para buscar um mecânico em Olho D’água.
Novamente teve um esquentamento no motor, entre Patu e Brejo do Cruz. Foram horas de espera. Tudo debaixo de uma neblina permanente. Tempo chuvoso, de inverno bom, numa noite de plenilúnio. Escuro de breu. Estrelas de vaga-lumes, na proximidade. E pirilampos no céu distante.
Tempos de florada do mofumbo que espera sugar a seiva doce do massapê do brejo. E a jaramataia fincar raízes no leito corrente dos riachos, que viajam alisando pedras.
Na banda da lona furada, protegiam-se Tião e Dina. Iam para uma receita com o Dr. Isauro, lá do Caicó.
No balançar dos catabis, Dina sentiu duas mãos subindo por suas pernas. Aproximando-se da sua intimidade. Continuou ressonando, para parecer dormindo, pois imaginava ser de Tião aquelas mãos. Sem reação da dona, as mãos ocuparam o corpo. E agora já era um corpo que se arranchava sobre Dina.
Dina chamou: “Bastião”! Tião respondeu: “Oi”… E Dina: “Ocê tá n’eu”? Nova resposta de Tião: “Eu não…tava inté durmino”. Dina falou quase gemendo: “Intão…tão”.
François Silvestre, in blogs.portalnoar.com

Nenhum comentário:

Postar um comentário