sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Sentimento de invulnerabilidade

O corpo do homem é frágil, doentio e bastante vulnerável em sua nudez. Tudo pode penetrar nele, e a cada ferimento lhe fica mas difícil pôr-se em defesa; num instante tudo está feito. Um homem que se apresenta para uma luta sabe o que está arriscando; se não vê nenhuma vantagem a seu lado, arrisca ao máximo. Quem tem a sorte de vencer sente acréscimo em suas forças, apresentando-se com tanto mais empenho a seu próximo adversário. Após uma série de vitórias, alcançará aquilo que há de mais precioso para o lutador, um sentimento de invulnerabilidade — e, tão logo o possua, ousará lutas cada vez mais perigosas. A partir daí, é como se possuísse um outro corpo, não mais nu, não mais doentio, mas blindado pelos seus momentos de triunfo. Por fim, ninguém mais pode afetá-lo: ele se torna um herói. De todo o mundo e da maioria dos povos, conhecem-se histórias de eternos vencedores — e, mesmo que, como não raro acontece, permaneçam vulneráveis em alguma parte oculta do corpo, isso só faz valer ainda mais sua, de resto, total invulnerabilidade. A imagem do herói, bem como o sentimento que possui de si, compõe-se de todos aqueles instantes em que aparece como vencedor diante dos inimigos derrotados. É admirado pela superioridade que lhe confere o seu sentimento de invulnerabilidade, e tal vantagem sobre seus adversários não é vista como algo injusto. Ele desafia sem hesitar cada um dos que não se curvam à sua pessoa. Luta, vence, mata — coleciona vitórias.”
Elias Canetti, in A consciência das palavras

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