“O
corpo do homem é frágil, doentio e bastante vulnerável em sua
nudez. Tudo pode penetrar nele, e a cada ferimento lhe fica mas
difícil pôr-se em defesa; num instante tudo está feito. Um homem
que se apresenta para uma luta sabe o que está arriscando; se não
vê nenhuma vantagem a seu lado, arrisca ao máximo. Quem tem a sorte
de vencer sente acréscimo em suas forças, apresentando-se com tanto
mais empenho a seu próximo adversário. Após uma série de
vitórias, alcançará aquilo que há de mais precioso para o
lutador, um sentimento de invulnerabilidade — e, tão logo o
possua, ousará lutas cada vez mais perigosas. A partir daí, é como
se possuísse um outro corpo, não mais nu, não mais doentio, mas
blindado pelos seus momentos de triunfo. Por fim, ninguém mais pode
afetá-lo: ele se torna um herói. De todo o mundo e da maioria dos
povos, conhecem-se histórias de eternos vencedores — e, mesmo que,
como não raro acontece, permaneçam vulneráveis em alguma parte
oculta do corpo, isso só faz valer ainda mais sua, de resto, total
invulnerabilidade. A imagem do herói, bem como o sentimento que
possui de si, compõe-se de todos aqueles instantes em que aparece
como vencedor diante dos inimigos derrotados. É admirado pela
superioridade que lhe confere o seu sentimento de invulnerabilidade,
e tal vantagem sobre seus adversários não é vista como algo
injusto. Ele desafia sem hesitar cada um dos que não se curvam à
sua pessoa. Luta, vence, mata — coleciona vitórias.”
Elias
Canetti, in A consciência das palavras
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