Sentado
à beira do caminho, o homem cansado ficou quieto, espiando a vida
que passava.
Era
uma vez um homem cansado que ia indo por um caminho. Tinha passado do
meio-dia, a tarde estava ficando muito quente. No ar azul e claro não
soprava nenhum vento. O homem procurou a sombra de uma árvore,
sentou e ficou ali, quieto.
Até
que passou um surfista. Ia de moto, sem camisa, a bermuda colorida, a
prancha amarrada na garupa da moto. Abanou para o homem sentado, mas
ele não se mexeu.
“Coitado”
— pensou o homem. — “Vai indo assim todo animado. Parece que
não sabe que vai morrer um dia.”
Remexeu
a areia com um pedacinho de pau, mas sem prestar atenção. Então
passou uma velhinha que parecia saída de um livro de histórias
infantis. Usava um vestido escuro, comprido, e carregava no ombro uma
dessas latas de metal, cheia de leite. Caminhava muito depressa.
“Coitada”
— pensou o homem. — “Velha desse jeito, pra que tanta pressa? A
morte vai chegar logo — e aí?”
Acendeu
um cigarro, ficou soltando anéis de fumaça contra o céu cada vez
mais azul. Aí passaram duas moças de braço dado. Parecia que
recém-tinham tomado banho, tão fresquinhas estavam. Os cabelos
ainda molhados brilhavam ao sol. Cochichavam e riam muito, olhando o
homem sentado, que nem olhava para elas.
“Coitadas”
— o homem pensou. — “Tão assanhadinhas. Ah, se elas soubessem
que a morte existe e pode chegar a qualquer momento…”
Ficou
um rastro de perfume no ar, mas ele nem respirou mais fundo nem nada.
De repente um passarinho começou a cantar, no galho bem acima dele.
Ouviu um pouco, depois cuspiu de lado.
“Coitado”
— o homem pensou. — “Esse idiotinha fica cantando à toa, de
repente vem um moleque, joga uma pedra e pronto, acabou.”
Estendeu
as pernas, mas logo as recolheu assustado. De longe, vinha um barulho
forte como o de um exército em marcha. O homem fixou bem os olhos na
curva da estrada. Até que apontou um elefante lá longe. Depois
vieram tigres, macacos, camelos, mágicos, equilibristas: era um
circo passando. Os palhaços fizeram micagens especiais para ele, mas
o homem não deu atenção. A bailarina, equilibrada num pé só
sobre o pônei branco, jogou uma rosa vermelha de tule a seus pés,
mas ele não apanhou.
“Coitados”
— pensou o homem. — “Quanta ilusão. Um dia o circo pega fogo,
a morte chega e de que serviu essa alegria toda?”
Com
a ponta do pé, empurrou para longe a rosa vermelha. Nesse momento,
ia passando um casal de namorados. O rapaz pegou a rosa, sacudiu para
afastar a poeira, depois colocou-a nos cabelos da moça. Ela sorriu,
e agradeceu com um beijo. Ele respondeu com outro, ela com outro —
e assim foram indo, aos beijos, até sumirem.
“Coitados”
— pensou o homem. — “Amor, amor: não tem besteira maior.
Casam, têm filhos, ficam velhos, doentes. Um dia morrem e pronto.”
A
tarde quase já tinha virado noite, quando um vulto encapuzado veio
se aproximando. Ele precisou apertar os olhos para ver melhor. Mesmo
assim, não via direito a cara do vulto que se aproximava cada vez
mais, até parar bem na frente dele.
— Quem
é você? — o homem perguntou.
A
figura afastou o capuz, mostrou os dentes arreganhados e disse:
— Sou
a Morte. Posso sentar ao seu lado?
O
homem deu um pulo.
— Não
— ele disse. — Já está f i cando tarde e eu ainda tenho muito o
que fazer. Virou as costas e saiu correndo, sem olhar para trás.
Caio
Fernando Abreu, in Pequenas epifanias
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