domingo, 18 de outubro de 2015

O bosque chinelo

Ao pé dos vulcões, junto aos ventisqueiros, entre os grandes lagos, o fragrante, o silencioso, o emaranhado bosque chileno... Os pés afundam na folhagem morta, um ramo quebradiço crepita, os gigantescos raulíes levantam sua estatura encrespada, um pássaro da selva fria atravessa o ar, esvoaça e se detém entre as ramagens sombrias e logo, de seu esconderijo, soa como um oboé... O aroma selvagem do loureiro e o aroma obscuro do boldo me penetram pelas narinas até a alma . . O cipreste das Guaitecas intercepta meus passos... É um mundo vertical: uma nação de pássaros, uma multidão de folhas... Tropeço em uma pedra, escarvo a cavidade descoberta e uma aranha imensa de pêlo vermelho me olha fixamente, imóvel, grande como um caranguejo... Um besouro dourado me lança sua emanação mefítica enquanto desaparece como um relâmpago seu radiante arco-íris... Ao passar, atravesso um bosque de fetos muito mais alto do que eu; caem no meu rosto sessenta lágrimas de seus verdes olhos frios e atrás de mim ficam por muito tempo agitando seus leques... Um tronco podre, que tesouro!... Fungos negros e azuis deram-lhe orelhas, plantas parasitas vermelhas cobriram-no de rubis, outras plantas preguiçosas emprestaram-lhe seus filamentos e brota, veloz, uma cobra de suas entranhas podres como uma emanação, como se do tronco morto lhe escapasse a alma... Mais adiante cada árvore se separou de suas semelhantes... Erguem-se sobre a alfombra da selva secreta, e cada uma de suas folhas, linear, encrespada, ramosa, lanceolada, tem um estilo diferente, como cortada por uma tesoura de movimentos infinitos... Um barranco; a água transparente desliza sobre o granito e o jaspe... Voa uma mariposa pura como um limão, dançando entre a água e a luz... A meu lado as calceolárias infinitas me saúdam com suas cabecinhas amarelas...
Lá no alto, como gotas arteriais da selva mágica, vergam-se os copihues vermelhos (Lapagéria Rósea)... O copihue vermelho é a flor do sangue, o copihue branco é a flor da neve... Num tremor de folhas, a velocidade de uma raposa atravessa o silêncio, mas o silêncio é a lei destas folhagens... Apenas o grito distante de um animal confuso... A interseção penetrante de um pássaro escondido... O universo vegetal apenas sussurra até que uma tempestade ponha em ação toda a música terrestre.
Quem não conhece o bosque chileno não conhece este planeta.
Daquelas terras, daquele barro, daquele silêncio, eu saí a andar, a cantar pelo mundo.
Pablo Neruda, in Confesso que vivi

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