Macalé
canta para 3 mil espectadores no Rio de Janeiro, enquanto o Exército
cerca o prédio do Museu de Arte Moderna, em 1973
Eu
estava entre os mais de 3 mil espectadores sentados no chão do salão
do segundo andar do Museu de Arte Moderna, do Rio de Janeiro,
enquanto o prédio era cercado por soldados do Exército. Na noite de
10 de dezembro de 1973, uma constelação de artistas reunida pelos
produtores Jards Macalé e Xico Chaves desafiava a espessa treva da
ditadura tripulada pelo general Médici, durante as tensas três
horas do espetáculo Direitos Humanos no Banquete dos Mendigos. O
show foi associado às comemorações dos 25 anos da Declaração
Universal dos Direitos Humanos, promovida pela ONU.
A
leitura de trechos do documento, pelo poeta Ivan Junqueira, funcionou
como epígrafe candente do evento, como o quinto artigo, “ninguém
será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel,
desumano ou degradante”. Ou o nono, “ninguém será
arbitrariamente preso, detido ou exilado”, ambos aplaudidos como
afrontas às práticas do regime vigente. “Se fizéssemos sem a ONU
a gente ia se ferrar”, admite hoje Macalé, radiante com a primeira
edição completa, em três CDs, das fitas gravadas às escondidas
pelo técnico de som, o inglês Maurice Hughes.
Direitos
Humanos no Banquete dos Mendigos - Diversos - Caixa com 3 CDs
Das
60 músicas iniciais, 40 foram vetadas pela censura. A proibição
foi desrespeitada, mas Chico Buarque não pôde cantar Vai
Trabalhar, Vagabundo. Contudo, desvelou “uma música que estou
compondo agora, chupada do Jorge Ben”. Posteriormente assinada com
o pseudônimo de Julinho da Adelaide, a sarcástica Jorge
Maravilha (Você não gosta de mim/ mas sua filha gosta) seria
interpretada, erroneamente, como alusão ao apreço pelo compositor
da filha do ditador seguinte, Ernesto Geisel, ainda longe do poder.
Da
suave bossa de Johnny Alf (Eu e a Brisa) e o samba dissonante
de Paulinho da Viola (Roendo as Unhas) ao “iê-iê-iê
realista”, rotulado pelo autor, Raul Seixas (Ouro de Tolo, Mosca
na Sopa), mais o anárquico Jorge Mautner (Samba dos Animais)
e a devota Gal Costa (Oração de Mãe Menininha), o roteiro
cravou surpresas. Com espaço até para os delírios percussivos de
Edison Machado e Pedro dos Santos, em meio a desempenhos farpados de
Milton Nascimento (Nada Será Como Antes), Gonzaguinha
(Desenredo), Luiz Melodia (Abundantemente Morte) e o
próprio Macalé (Anjo Exterminado).
Tárik
de Souza, in Cultura, da CartaCapital
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