Quando
menino, costumava apanhar a tesoura da mãe e ia para o quintal,
cortando folhas das árvores.
Havia
mangueiras, abacateiros, ameixeiras, pessegueiros e até mesmo
jabuticabeiras. Um quintal enorme, que parecia uma chácara e onde o
menino passava o dia cortando folhas. A mãe gostava, assim ele não
ia para a rua, não andava em más companhias. E sempre que o menino
apanhava o seu caminhão de madeira (naquele tempo, ainda não havia
os caminhões de plástico, felizmente) e cruzava o portão, a mãe
corria com a tesoura: tome filhinho, venha brincar com as suas
folhas. Ele voltava e cortava. As árvores levavam vantagem, porque
eram imensas e o menino pequeno.
O
seu trabalho rendia pouco, apesar do dia-a-dia constante, de manhã à
noite.
Mas
o menino cresceu, ganhou tesouras maiores. Parecia determinado, à
medida que o tempo passava, a acabar com as folhas todas. Dominado
por uma estranha impulsão, ele não queria ir à escola, não queria
ir ao cinema, não tinha namoradas ou amigos. Apenas tesouras, das
mais diversas qualidades e tipos. Dormia com elas no quarto. À
noite, com uma pedra de amolar, afiava bem os cortes, preparando-as
para as tarefas do dia seguinte.
Às
vezes, deixava aberta a janela, para que o luar brilhasse nas
tesouras polidas. A mãe, muito contente, apesar do filho detestar a
escola e ir mal nas letras. Todavia, era um menino comportado, não
saía de casa, não andava em más companhias, não se embriagava aos
sábados como os outros meninos do quarteirão, não frequentava ruas
suspeitas onde mulheres pintadas exageradamente se postavam às
janelas, chamando os incautos. Seu único prazer eram as tesouras e o
corte das folhas.
Só
que, agora, ele era maior e as árvores começaram a perder. Ele
demorou apenas uma semana para limpar a jabuticabeira. Quinze dias
para a mangueira menor e vinte e cinco para a maior. Quarenta dias
para o abacateiro que era imenso, tinha mais de cinquenta anos. E
seis meses depois, quando concluiu, já a jabuticabeira tinha novas
folhas e ele precisou recomeçar.
Certa
noite, regressando do quintal agora silencioso, porque o
desbastamento das árvores tinha afugentado pássaros e destruído
ninhos, ele concluiu que de nada adiantaria podar as folhas. Elas se
recomporiam sempre. É uma capacidade da natureza, morrer e reviver.
Como o seu cérebro era diminuto, ele demorou meses para encontrar a
solução: um machado.
Numa
terça-feira, bem cedo, que não era de perder tempo, começou a
derrubada do abacateiro. Levou dez dias, porque não estava habituado
a manejar machados, as mãos calejaram, sangraram. Adquirida a
prática, limpou o quintal e descansou aliviado. Mas insatisfeito,
porque agora passava os dias a olhar aquela desolação, ele saiu de
machado em punho, para os arredores da cidade. Onde encontrava
árvore, capões, matos, atacava, limpava, deixava os montes de lenha
arrumadinhos para quem quisesse se servir. Os donos dos terrenos não
se importavam, estavam em via de vendê-los
para fábricas ou imobiliárias e precisavam de tudo limpo mesmo.
E
o homem do machado descobriu que podia ganhar a vida com o seu
instrumento. Onde quer que precisassem derrubar árvores, ele era
chamado. Não parava. Contratou uma secretária para organizar uma
agenda. Depois, auxiliares. Montou uma companhia, construiu edifícios
para guardar machados, abrigar seus operários devastadores. Importou
tratores e máquinas especializadas do estrangeiro. Mandou
assistentes fazerem cursos nos Estados Unidos e Europa. Eles voltaram
peritos de primeira linha. E trabalhavam, derrubavam. Foram do sul ao
norte, não deixando nada em pé. Onde quer que houvesse uma folha
verde, lá estava uma tesoura, um machado, um aparelho eletrônico
para arrasar.
Ignácio
de Loyola Brandão,
in Cadeiras
proibidas
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