“Na
vocação para a vida está incluído o amor, inútil disfarçar,
amamos a vida. E lutamos por ela dentro e fora de nós mesmos.
Principalmente fora, que é preciso um peito de ferro para enfrentar
essa luta na qual entra não só fervor mas uma certa dose de cólera,
fervor e cólera. Não cortaremos os pulsos, ao contrário,
costuraremos com linha dupla todas as feridas abertas. E tem muita
ferida porque as pessoas estão bravas demais, até as mulheres, umas
santas, lembra?
Costurar
as feridas e amar os inimigos que odiar faz mal ao fígado, isso sem
falar no perigo da úlcera, lumbago, pé frio. Amar no geral e no
particular e quem sabe nos lances desse xadrez-chinês imprevisível.
Ousar o risco. Sem chorar, aprendi bem cedo os versos exemplares, não
chores que a vida/é luta renhida. Lutar
com aquela expressão de criança que vai caçar borboleta, ah, como
brilham os olhos de curiosidade. Sei que as borboletas andam raras
mas se sairmos de casa certos de que vamos encontrar alguma… O
importante é a intensidade do empenho nessa busca e em outras.
Falhando, não culpar Deus, oh! por que Ele me abandonou? Nós é que
O abandonamos quando ficamos mornos. Quando a vocação para a vida
começa a empalidecer e também nós, os delicados, os esvaídos.
Aceitar o desafio da arte. Da loucura. Romper com a falsa harmonia,
com o falso equilíbrio e assim, depois da morte – ainda intensos –
seremos um fantasminha claro de amor.”
Lygia
Fagundes Telles,
in A
disciplina do amor
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