De
repente deu-lhe aquela chateação de ter que ir para São Paulo. Olhou para a
valise já prontinha, que a mulher preparara e que descansava sobre uma poltrona
do escritório, e puxou um longo suspiro. Depois olhou para a passagem da Ponte
Aérea que estava em cima da mesa e sentiu um leve, um quase imperceptível
mal-estar. Afinal, tinha pouca coisa a fazer em São Paulo. Se tivesse sorte de
conseguir uma linha, talvez resolvesse tudo com o chefe do escritório de lá e
então ficaria com uma noite livre no Rio, iria para onde bem entendesse,
dormiria num hotel qualquer e não teria de dar satisfações a Mercedes, que esta
estaria crente que ele seguira mesmo para São Paulo.
Pegou
o telefone e discou “interurbano”. A voz neutra e irritante da telefonista
perguntou o que ele queria. Cruzou os dedos e pediu São Paulo, aliviado de não
ouvir em seguida aquela frase cretina: “Os circuitos estão ocupados, queira
chamar mais tarde.” Quando acabou de dar as ordens ao chefe do escritório,
sentia-se bem melhor. Ao pegar de novo o telefone, parecia muito bem disposto e
teve de se conter para não demonstrar sua alegria:
-
Mercedes? Sou eu... Já vou sim. Não sei, meu bem. Sigo agorinha para o
aeroporto e pego o primeiro que tiver lugar. Obrigado. Outro pra você.
Desligou
e ficou imaginando que era o golpe. Ir para um bar e encher a caveira?
Telefonar para uma daquelas desajustadas de sempre? Ia optar pela segunda
hipótese, quando se lembrou que já era um pouco tarde e mulher avulsa que se
preze não continua avulsa depois que a tarde cai. O jeito era sair por aí...
Mas novamente o telefone entrou em cena. A campainha soou e ele ouviu a voz do
Augusto:
- Seu
passe está livre para um pagode?
Aquilo
caía do céu: - Puxa, Augusto... Você encaixou na horinha. Imagine que eu ia
para São Paulo e resolvi não ir... Mal telefonei para Mercedes... Acabei de
ligar, dizendo que ia, mas disposto a ficar por aqui mesmo.
-
Ótimo! – exclamou o Augusto. – Pois eu estou de cacho aí com uma pequena bem
razoável. Ela me avisou que tem uma amiguinha sobrando, coisa fina, e pediu que
eu levasse um amigo.
- Tô
nessa boca – berrou o que ia a São Paulo e não foi, achando que mais uma vez se
confirmava a sua sorte com mulher. E apressou-se: - Diga à sua amiguinha para
levar a outra que eu terei o maior prazer em desencaminhá-la.
Augusto
esclareceu que não precisava isso. Já estava tudo combinado: as duas estariam
no bar assim-assim, às tantas horas, esperando. E, a uma pergunta aflita,
tratou de tranquilizar o amigo: não conhecia a outra, mas devia ser boa sim,
porque tivera o cuidado de se informar sobre este detalhe e sua pequena
garantira que era papa-fina.
Saíram
logo que Augusto chegou no escritório. Estava tão animado que já ia esquecendo
a valise em cima da poltrona. Voltou, apanhou-a e, antes de apagar a luz,
rasgou a passagem da Ponte Aérea e jogou na cesta. “Mercedes pode ver esta
porcaria no meu bolso e vai ser fogo” – pensou. E juntou ao pensamento um
ditado de sua autoria que costumava usar sempre que se metia numa baderna:
“Marido prevenido, casamento garantido”.
Augusto
manobrou o carro e entrou na vaga com facilidade. Antes de atravessarem a rua,
apontou para o barzinho elegante da esquina, explicando que elas estavam
esperando ali. Quando entraram na sala um tanto quanto penumbrosa, a penumbra não
chegou para esconder a mulher que acenou em sua direção: - Aquela é a minha –
foi dizendo o Augusto – e a outra é a sua.
Como
se ele não soubesse que era a sua! Lá estava ela, toda fresca, no vestido
vermelho que ele financiara na véspera. Aliás, foi o ar fresco que lhe deu mais
raiva. Partiu por entre as mesas bufando e iniciou incontinenti o festival de
bolachas.
- Mas
o que é isto... Mas o que é isto? – Perguntava Augusto atônito.
Ninguém ali sabia direito por que é que ele estava
batendo, mas Mercedes sabia perfeitamente por que é que estava apanhando.
Sérgio Porto (Stanislaw
Ponte Preta), in Gol de Padre e outras crônicas
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