Naquela pequena cidade as romarias começaram quando
correu o boato do milagre. É sempre assim. Começa com um simples boato, mas
logo o povo – sofredor, coitadinho e pronto a acreditar em algo capaz de
minorar sua perene chateação – passa a torcer para que o boato se transforme
numa realidade, para poder fazer do milagre a sua esperança.
Dizia-se que ali vivera um vigário muito piedoso,
homem bom, tranquilo, amigo da gente simples, que fora em vida um misto de
sacerdote, conselheiro, médico, financiador dos necessitados e até advogado dos
pobres, nas suas eternas questões com os poderosos. Fora, enfim, um sacerdote
na expressão do termo: fizera de sua vida um apostolado.
Um dia o vigário morreu. Ficou a saudade morando
com a gente do lugar. E era em sinal de reconhecimento que conservavam o quarto
onde ele vivera, tal e qual o deixara. Era um quartinho modesto, atrás da
venda. Um catre (porque em histórias assim, a cama do personagem chama-se
catre), uma cadeira, um armário tosco, alguns livros. O quarto do vigário ficou
sendo uma espécie de monumento à sua memória, já que a Prefeitura local não
tinha verba para erguer sua estátua.
E foi quando um dia… ou melhor, uma noite, deu-se o
milagre. No quarto dos fundos da venda, no quarto que fora do padre, na mesma
hora em que o padre costumava acender uma vela para ler seu breviário, apareceu
uma vela acesa.
– Milagre!!! – quiseram todos.
E milagre ficou sendo, porque uma senhora que tinha
o filho doente, logo se ajoelhou do lado de fora do quarto, junto à janela, e
pediu pela criança. Ao chegar em casa, depois do pedido – conta-se – a senhora
encontrou o filho brincando, fagueiro.
– Milagre!!! – repetiram todos. E o grito de
“Milagre!!!” reboou por sobre montes e rios, vales e florestas, indo soar no
ouvido de outras gentes, de outros povoados. E logo começaram as romarias.
Vinha gente de longe pedir! Chegava povo de tudo
quanto é canto e ficava ali plantado, junto à janela, aguardando a luz da vela.
Outros padres, coronéis, até deputados, para oficializar o milagre. E quando
eram mais ou menos seis da tarde, hora em que o bondoso sacerdote costumava
acender sua vela… a vela se acendia e começavam as orações. Ricos e pobres,
doentes e saudáveis, homens e mulheres caíam de joelhos, pedindo.
Com o passar do tempo a coisa arrefeceu. Muitos
foram os casos de doenças curadas, de heranças conseguidas, de triunfos os mais
diversos. Mas, como tudo passa, depois de alguns anos passaram também as
romarias. Foi diminuindo a fama do milagre e ficou, apenas, mais folclore na
lembrança do povo.
O lugarejo não mudou nada. Continua igualzinho como
era, e ainda existe, atrás da venda, o quarto que fora do padre. Passamos outro
dia por lá. Entramos e pedimos ao português, seu dono, que vive há muitos anos
atrás do balcão, a roubar no peso, que nos servisse uma cerveja. O português,
então, berrou para um pretinho, que arrumava latas de goiabada numa prateleira:
– Ó Milagre, sirva uma cerveja ao freguês!
Achamos o nome engraçado. Qual o padrinho que
pusera o nome de Milagre naquele afilhado? E o português explicou que não, que
o nome do pretinho era Sebastião. Milagre era apelido.
– E por quê? – perguntamos.
- Porque era ele quem acendia a vela, no quarto do
padre.
Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), in Gol de padre e outras crônicas
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