“Dia
entre pescadores. Eles a pescarem sardinha para a fome orgânica do corpo, e eu
a pescar imagens para uma necessidade igual do espírito. Tisnados de saúde, os
homens olham-me; e eu, amarelo de doença, olho-os também. Certamente que se
julgam mais justificados do que eu, e que o mundo inteiro lhes dá razão. Mas da
mesma maneira que eles, sem que ninguém lhes peça sardinha, se metem às ondas,
também eu, sem que ninguém me peça poesia, me lanço a este mar da criação. Há
uma coisa que nenhuma ideologia pode tirar aos artistas verdadeiros: é a sua
consciência de que são tão fundamentais à vida como o pão. Podem acusá-los de
servirem esta ou aquela classe. Pura calúnia. É o mesmo que dizer que uma flor
serve a princesa que a cheira. O mundo não pode viver sem flores, e por isso
elas nascem e desabrocham. Se olhos menos avisados passam por elas e as não
podem ver, a traição não é delas, mas dos olhos, ou de quem os mantém cegos e
incultos.”
Miguel Torga, in Diário (1943)
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