“Toda essa ideia de uma
felicidade como recompensa - que outra coisa seria, portanto, senão uma ilusão
moral: um título de crédito com o qual se compra de ti, homem empírico, os teus
prazeres sensíveis de agora, mas que só é pagável quando tu mesmo não precisas
mais do pagamento. Pensa sempre nessa felicidade como um todo de prazeres que
são análogos aos prazeres sacrificados agora. Ousa, apenas, dominar-te agora;
ousa o primeiro passo de criança em direção à virtude: o segundo já se tornará
mais fácil para ti. Se continuares a progredir, notarás com espanto
que aquela felicidade que esperavas como recompensa do teu
sacrifício, mesmo para ti não tem mais nenhum valor. Foi intencionalmente que
se colocou a felicidade num ponto do tempo em que tens de ser
suficientemente homem para te envergonhares dela. Envergonhar, digo
eu, pois, se nunca chegas a sentir-te mais sublime do que aquele ideal sensível
de felicidade, seria melhor que a razão jamais te tivesse falado.
É exigência da razão não precisar
mais de nenhuma felicidade como recompensa, tão certo quanto é exigência
tornar-se mais conforme à razão, mais autónomo, mais livre. Pois, se a
felicidade ainda pode recompensar-nos - a não ser que se interprete o
conceito de felicidade contrariamente a todo o uso da linguagem -, ela é então
uma felicidade que não é trazida, já, pela própria razão (pois como poderiam
razão e felicidade jamais coincidir?), uma felicidade que, justamente por isso,
aos olhos de um ser racional, não tem mais nenhum valor.
Deveríamos,
diz um antigo escritor, considerar que os deuses imortais são infelizes porque
não possuem capitais, bens territoriais, escravos? Não deveríamos, antes,
exaltá-los como os únicos bem-aventurados, justamente porque são os únicos que,
pela sublimidade da sua natureza, já estão despojados de todos aqueles bens? -
O mais alto a que podem elevar-se as nossas ideias é manifestamente um ser que,
com autossuficiência absoluta, frui somente do seu próprio ser, um ser que
cessa toda a passividade, que não é passivo em relação a nada, nem mesmo
em relação a leis, que age com liberdade absoluta, apenas em conformidade
com o seu ser, e cuja única lei é a sua própria essência.”
Friedrich Schelling, in Sobre o Dogmatismo e o Criticismo
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