Não é sem frequência que, à tarde, chegando à
janela, eu vejo um casalzinho de brotos que vem namorar sobre a pequenina ponte
de balaustrada branca que há no parque. Ela é uma menina de uns 13 anos, o
corpo elástico metido nuns blue jeans e num suéter folgadão, os cabelos puxados
para trás num rabinho-de-cavalo que está sempre a balançar para todos os lados;
ele, um garoto de, no máximo, 16, esguio, com pastas de cabelo a lhe tombar
sobre a testa e um ar de quem descobriu a fórmula da vida. Uma coisa eu lhes
asseguro: eles são lindos, e ficam montados, um em frente ao outro, no corrimão
da colunata, os joelhos a se tocarem, os rostos a se buscarem a todo momento
para pequenos segredos, pequenos carinhos, pequenos beijos. São, na sua extrema
juventude, a coisa mais antiga que há no parque, incluindo velhas árvores que
por ali espapaçam sua verde sombra; e as momices e brincadeiras que se fazem
dariam para escrever todo um tratado sobre a arqueologia do amor, pois têm uma
tal ancestralidade que nunca se há de saber a quantos milênios remontam.
Eu os observo por um minuto apenas para não
perturbar-lhes os jogos de mão e misteriosos brinquedos mímicos com que se
entretêm, pois suspeito de que sabem de tudo o que se passa à sua volta. Às
vezes, para descansar da posição, encaixam-se os pescoços e repousam os rostos
um sobre o ombro do outro, como dois cavalinhos carinhosos, e eu vejo então os
olhos da menina percorrerem vagarosamente as coisas em torno, numa aceitação
dos homens, das coisas e da natureza, enquanto os do rapaz mantêm-se fixos,
como a perscrutar desígnios. Depois voltam à posição inicial e se olham nos
olhos, e ela afasta com a mão os cabelos de sobre a fronte do namorado, para
vê-lo melhor e sente-se que eles se amam e dão suspiros de cortar o coração. De
repente o menino parte para uma brutalidade qualquer, torce-lhe o pulso até ela
dizer-lhe o que ele quer ouvir, e ela agarra-o pelos cabelos, e termina tudo,
quando não há passantes, num longo e meticuloso beijo.
Que será, pergunto-me eu em vão, dessas duas
crianças que tão cedo começam a praticar os ritos do amor? Prosseguirão se
amando, ou de súbito, na sua jovem incontinência, procurarão o contato de
outras bocas, de outras mãos, de outros ombros? Quem sabe se amanhã quando eu
chegar à janela, não verei um rapazinho moreno em lugar do louro ou uma menina
com a cabeleira solta em lugar dessa com os cabelos presos?
E se prosseguirem se amando, pergunto-me
novamente em vão, será que um dia se casarão e serão felizes? Quando,
satisfeita a sua jovem sexualidade, se olharem nos olhos, será que correrão um
para o outro e se darão um grande abraço de ternura? Ou será que se desviarão o
olhar, para pensar cada um consigo mesmo que ele não era exatamente aquilo que
ela pensava e ela era menos bonita ou inteligente do que ele a tinha imaginado?
É um tal milagre encontrar, nesse infinito
labirinto de desenganos amorosos, o ser verdadeiramente amado... Esqueço o
casalzinho no parque para perder-me por um momento na observação triste, mas
fria, desse estranho baile de desencontros, em que frequentemente aquela que
devia ser daquele acaba por bailar com outro porque o esperado nunca chega; e
este, no entanto, passou por ela sem que ela o soubesse, suas mãos sem querer
se tocaram, eles olharam-se nos olhos por um instante e não se reconheceram.
E é então que
esqueço de tudo e vou olhar nos olhos de minha bem-amada como se nunca a
tivesse visto antes. É ela, Deus do céu, é ela! Como a encontrei, não sei. Como
chegou até aqui, não vi. Mas é ela, eu sei que é ela porque há um rastro de luz
quando ela passa; e quando ela me abre os braços eu me crucifico neles banhado
em lágrimas de ternura; e sei que mataria friamente quem quer que lhe causasse
dano; e gostaria que morrêssemos juntos e fôssemos enterrados de mãos dadas, e
nossos olhos indecomponíveis ficassem para sempre abertos mirando muito além
das estrelas.
Vinícius de Moraes, in Para
viver um grande amor
Nenhum comentário:
Postar um comentário