A
última carta que escrevi foi em dois mil e sete; eu tinha vinte e três anos e
ela dez páginas. Era uma carta de amor, pelo menos achei que fosse, em papel de
linho branco, com gramatura 180. Optei por uma caligrafia mais simples para ter
certeza que a destinatária entendesse todas as palavras escritas. Usei tinta
nanquim de uma marca chinesa – dizem que são as melhores, e uma pena antiga,
presente do meu pai. Para escrever cartas de amor, escolha sempre a melhor
tinta, assim daqui a dez, vinte ou cem anos, você terá certeza de que as
palavras estarão ali com a mesma força, ou fraqueza do dia que você selou a
carta, lacrou o envelope e entregou com todo carinho para a moça dos correios.
Cartas de amor, depois de um tempo, deixam de ser cartas de amor e passam a ser
cartas de saudade para alguns ou cartas de remorso para outros.
Levei doze dias para terminá-la e até
hoje não me lembro de ter posto um ponto final.
Se eu relesse essa carta, provavelmente
acharia um pouco cafona: culpa da minha imaturidade adolescente. Mas tinha
passagens bonitas, eu lembro. Não a decorei. Não sei dizer palavra por palavra
o que estava escrito. Mas sei sentimento por sentimento o que por escrito foi
dito. Hoje em dia os e-mails, as mensagens de chat, os comentários nas
postagens, tomaram conta da troca de palavra. Se o nosso tempo fosse uma
estação, seria o inverno. Estamos sós, conectados com tantas outras solidões.
Somos frios, uma fina melancolia sempre parece nos forçar a rir
(kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk). As risadas não são tão engraçadas. E isso me dá
silêncios. Longos silêncios. Acho que descobri o motivo de eu demorar tanto
para responder meus e-mails. Vivo no ritmo das cartas. Ah, preciso evoluir! Ah,
preciso aceitar que acabou! Mas por que ninguém me mandou ao menos uma carta
para avisar?
Sou do tempo do amor nos tempos do
cólera. Sou do tempo em que a espera tempera a palavra, valoriza o conteúdo.
Sou daquele tempo e ainda tenho vinte e nove anos. Você ainda lembra da carta
que não escreveu por preguiça, por achar uma forma ultrapassada de se revelar
ao mundo ou por simplesmente preferir o instantâneo e julgar mais conveniente
dizer tudo que sente em poucas palavras? Ah, se você soubesse o quanto ela
poderia mudar a vida de alguém. Não estou pedindo para que você seja Florentino
Ariza e espere 51 anos, 9 meses e 4 dias por um grande amor que talvez nunca
chegue. Eu também gosto da rapidez dos nossos tempos, mas, às vezes, o amor
pede mais de 140 caracteres. Meu pai até hoje me manda os tais cartões postais.
São breves palavras que encurtam a distância de 10.000km que nos separam, e
abrem sorrisos capazes de criar uma ponte entre o Rio de Janeiro e a cidade de
Chur, na Suíça.
Fernando Pessoa, na pele de Álvaro de
Campos, diz que todas as cartas de amor são ridículas. Guimarães Rosa revela
que a vida quer coragem da gente. E eu concordo, Álvaro. E eu te dou toda
razão, Guimarães. Queria eu, naquele dia em que lacrei o envelope, ter sido
mais ridículo e ter tido muito mais coragem. Isso evitaria o meu remorso ao
confessar nesse momento que a última carta que escrevi foi em dois mil e sete;
eu tinha vinte e três anos e ela nunca foi entregue.
Com carinho,
Pedro Gabriel
PS: (talvez um
dia eu mande por whatsaap )
Pedro Gabriel nasceu em N’Djamena,
capital do Chade, em 1984. Filho de pai suíço e mãe brasileira, chegou ao
Brasil aos 12 anos — e até os 13 não formulava uma frase completa em português.
A partir da dificuldade na adaptação à língua portuguesa, que lhe exigiu muita
observação tanto dos sons quanto da grafia das palavras, Pedro desenvolveu
talento e sensibilidade raros para brincar com as letras. É formado em
publicidade e propaganda pela ESPM-RJ e criador de “Eu me chamo Antônio”,
perfil do Instagram e página do Facebook que deram origem ao livro Eu me chamo
Antônio, lançado pela Intrínseca.
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