Tadeu
guardava o tempo para um dia quando precisasse. Juntava todas as horas, minutos
e segundos disponíveis e embrulhava-os em pequenos sacos plásticos com suas
devidas especificações: horas de descanso, minutos de folga do trabalho,
feriados. Assim, se acabava o asseio diário mais cedo, nada fazia com o tempo
que sobrava, conservando-o intacto, novo, sem uso, escrevendo em sua embalagem
a procedência. Depois de anos de controle, quando evitava qualquer atividade
que não fosse o absolutamente necessário, ficando em estado de latência
profunda a cada hora vaga, tinha acumulado duas mil, trezentas e vinte horas e
dois segundos. Isto sem contar o tempo de um sujeito chamado Ubaldo, que lhe
vendeu trezentas horas sem uso.
Ubaldo
era um homem que não trabalhava, não tinha família, e sua única paixão era a
música, e seus instrumentos de sopro. Tadeu descobriu mais tarde que duas
destas trezentas horas estavam gastas e teriam sido usadas para a limpeza de
uma gaita de foles — resolveu a partir de então não comprar nem um segundo a
mais de quem quer que fosse. Ubaldo, tendo tanto tempo de sobra, abriu uma loja
de aluguel.
Ubaldo
colocou à disposição as horas do seu dia para aqueles que precisavam mais do
que as vinte e quatro habituais. Alugava para as irmãs Contii — xifópagas —,
que tinham que dividir seu tempo, ficando apenas 12 horas para cada uma; para o
senhor Aumar, que estudava as estrelas e pedia somente as horas noturnas para
suas observações. Chegou a alugar para uma noiva desesperada já no altar, à
espera do noivo que não aparecia. E finalmente alugava para José Josias, um
homem que só tinha 18 horas por dia — que já havia nascido assim, com seis
horas a menos do que o normal. Em função desta deficiência congênita, o rapaz
era obrigado a fazer tudo sempre ligeiro, para compensar o pouco tempo que lhe
cabia.
José
Josias tornou-se cliente fixo de Ubaldo, mas quando soube da existência de
Tadeu e suas milhares de horas guardadas e novas, manifestou imensa vontade de
comprá-las. Preocupado com a insistência do homem, que se mostrara amargo e
violento, Tadeu usou 815 minutos para pensar o que fazer. Como precaução
resolveu esconder seu tempo, espalhando-o pela casa, em todos os cantos,
buracos e frestas. Inclusive dentro do baú de seu bisavô, onde encontrou o tão
procurado diário — diário que dizia esconder, em algum lugar do porão,
preciosos segundos do século XIX. Só então recebeu José Josias. Inventou uma
boa história e convenceu-o de que não podia desfazer-se de nenhum minuto, de
que sua causa era nobre; que um dia doaria todas aquelas horas para asilos,
instituições de caridade, hospitais. Sensibilizado, José Josias (que embora
amargurado não era má pessoa) ofereceu a Tadeu vinte minutos como contribuição.
Obrigou toda família a fazer o mesmo e espalhou a história por toda parte.
Pessoas humildes e simplórias, também iludidas, doaram caixotes e caixotes
cheios de horas, minutos, segundos, décimos de segundo. Tadeu começou a receber
homenagens, a adquirir fama e prestígio. Mais tarde, considerado um benfeitor, foi
eleito chefe de governo.
A cidade nunca se arrependeu tanto. Tudo
porque Tadeu, mesmo sendo um péssimo governante, com suas milhares de horas
guardadas, conseguiu ficar 22 anos no poder.
Elisa
Palatnik
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