“estás aqui/quer dizer/tudo está aqui/
o vazio e a união/e tu/e a
desordenada solidão/”
Juan Gelman/Eliezer Bem Jonon (Com/posições)
o vazio e a união/e tu/e a
desordenada solidão/”
Juan Gelman/Eliezer Bem Jonon (Com/posições)
É, eu sei, escrevo para despistar palavras, mas
elas é que me despistam, quando não me desencaminham. Falo, mas as palavras não
vingam. Só nascem, mas não chegam a criar-se, como rebentos enfermiços,
eternamente incubados. Só estas palavras me vêm, estas de latência, careço de
palavras definidoras e definitivas. Mesmo assim, repito persistências.
E eu sei, sou tão longínqua e cheia de pormenores
que nem eu mesma me percorro inteira sem ficar exausta. Até parece que só tenho
demoras e não tenho limites. Mas eu os tenho sim, e eles ficam nos horizontes
cobertos de nuvens envelhecidas. Sim, minhas fronteiras margeiam a idade das
nuvens.
E eu sei, só por amor nidifico. Só por amor me
desanuvio em asas, me acrescento em esperas. Só por amor me transformo em tempo,
só por amor transcorro. E eu sei, muito de mim já passou desde a rebentação da
primeira orquídea. Muito de mim passou, é passado, não tenho remorso, nem
saudades. Não sou da estirpe dos que têm saudades das próprias evasões.
É, eu sei, muito de mim passou. Desaprendi amar
quem me gostava espezinhada, ferida. Amor este nem era amor, nem semente. Era
um bago da noite dos ordálios. Passou. Amo no tempo presente. Amo nas dobras do
tonto porvir. Amo é quem me faz secreta e me veste com desabrochamentos. Amo e senhor
das orquídeas que brotam nos espaços do tempo.
Quando a tristeza me cerca, eu a conduzo para as
águas. Para as minhas águas. Há muito, muito tempo, tomei posse das minhas
disponíveis lágrimas e me disponho para elas. Choro quando bem preciso e quero
e ninguém me venha dizer quando devo derramar-me. Eu é que sei, pois o
derramamento é território meu.
E quando alegria me visita, faço o que fazem os
demais: encho-me de amor pelo mundo, entro na casa das delicadezas. Esqueço
minha sempiterna pendência para a irritação diante das faltas de bom-senso.
Fico numa paz momentânea com a tolerância. Alegria me põe nas proximidades de
um quase misticismo, acredito até em destino nesses dias.
É, eu sei, tem dias em que acredito em destino, mas
qualquer destino só existe por aceitação. Todo destino precisa de um sim para
não ser tolhido, para realizar-se inteiro.
O nascimento das orquídeas é destino, e se completa
com o seu demorado sim.
E eu acredito em sins e acredito em demoras.
Acredito também em orquídeas nas mãos do menino. À sombra do menino em flor não
é o nome de um livro, porque é verdade demais para ser escrita.
É, eu sei, mas
as palavras me despistam…
Carmen Vasconcelos, in
www.substantivoplural.com.br
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