Luiz Melodia
Pérola Negra - 1973
A inegável influência negra na música brasileira
transformou-a numa das mais ricas do planeta, se não fossem nossos irmãos
africanos que para aqui vieram sofrer no cativeiro infortúnios de toda ordem
não teríamos a oportunidade de penetrar e incorporar toda a sua riqueza
cultural, mas se o preço para essa inserção da cultura negra em nossos costumes
foi muito dura e cruel, o que dela temos hoje é um patrimônio inestimável.
Deve-se também aqui exaltar a obstinação e a luta de nossos ancestrais
africanos em não deixar que suas matrizes culturais fossem excluídas da
convivência cotidiana de nossa sociedade, impondo-a com muita luta a sua
penetração e adquirindo ao longo da história o lugar de destaque que hoje muito
nos orgulha. Dessa contribuição temos no caso da música popular o samba como a
sua maior representação. Contudo, é importante ressaltar que o Brasil mesmo
conservando a sua integridade cultural sempre esteve aberto a sofrer influências
de outros povos e a incorporá-las ao nosso acervo artístico, subtraindo dessas
manifestações alienígenas apenas a forma, mas enriquecendo-a com um conteúdo
nosso. Desse modo, tudo o que aqui se produz ou se produziu acaba tendo uma
conotação verde e amarela.
É claro que há algumas exceções como, por exemplo, o funk e o
rap que incorporam elementos da cultura negra norte americana e transformam
nossos jovens de periferia ou morros em meros coadjuvantes de negros americanos
de bairros como o Bronks de Nova Iorque, numa inconsciente tentativa de
sobreviver a sombra e ao espelho de seus pares da América do Norte. Mas se a
problemática social daqui é mais cruel e existem especificidades que nos
diferenciam dos americanos, nada justifica que copiemos uma arte que só tem
características nacionais apenas no modo de se expressar literariamente, se é
que podemos chamar de literatura as letras de raps e funks (argh!). De resto,
roupas, acessórios, modo de ver e sentir a vida espelham-se nos seus ídolos da
parte rica do planeta sonhando em ser um dia como eles.
Mas se a visão pode ser contestada ou até considerada radical
por muitos, vejamos o que seja então cultura brasileira formada por influências
musicais estrangeiras, mas inegavelmente com sabor brasílico, puro. Essa fusão
rítmica que invadiu nossa praia nos finais dos anos sessenta e adquiriu substância
no início da década seguinte teve alguns representantes que hoje são tidos como
elementos fundamentais para a compreensão da música popular enquanto atividade
cultural e de afirmação de nacionalidade.
Logo depois da consagração de Jorge Ben, do surgimento da
Tropicália e da ascensão de Tim Maia, novas tendências se vislumbravam para a música
popular, que buscava caminhos alternativos para uma afirmação cultural que não
desprezava o que estava sendo realizado fora de nossas fronteiras, mas buscando
nela elementos que incorporados ao nosso padrão tradicional revitalizariam a
nossa canção e daria a ela uma feição contemporânea e universal. Essa visão
estava baseada principalmente na fusão do rock, do blues e da black music com a
tradicional MPB. Um dos artistas que souberam captar este momento produzindo
uma arte pessoal e intranferível foi o carioca do morro do Estácio, Luiz
Melodia. Nascido num berço do samba, a sua música receberia influências que a
unia a tradição de bambas como Ismael Silva, Newton Bastos, Alcebíades Barcelos
e Armando Marçal, incorporando elementos tropicalistas fundindo-os com o som
que vinha da terra dos ianques, nacionalizando-o e surpreendendo pela qualidade
literária e musical, ou seja, revelando uma nova linguagem de produzir música
brasileira.
Depois de ter algumas de suas composições gravadas por nomes
como Gal Costa, Pérola negra, título de uma de suas mais conhecidas canções,
composta inicialmente com o nome de My black mas substituída a pedido do poeta
baiano Wally Salomon que a apresentou a Gal tendo esta interpretado e lançado
do disco show Fa-tal. O sucesso foi imediato e o nome de Luiz Melodia começava
a se firmar de modo irreversível. Em 1972 Maria Bethania gravaria no LP Drama
outro sucesso do jovem compositor, Estácio, holly Estácio, música em que se
observa divisões rítmicas inusitadas, realçando a sua musicalidade ao nível da
própria camada fônica do texto.
De bem com o sucesso como compositor, faltava se apresentar
como intérprete de suas próprias obras, desse modo lança seu primeiro disco em
1973 com o título de Pérola negra, surgido com uma provocante mistura de
estilos musicais como por exemplo, pop em Vale quanto pesa; forró, em Forró de
janeiro; rock balada, em Objeto h, soul em, Abundantemente morte, rock, em Pra
aquietar; choro, em Estácio eu e você, mpb/pop em Magrelinha, a surpreendente
Farrapo humano em que ele transita por diversos estilos conseguindo nessa fusão
rítmica uma linguagem que retrata seu universo trágico e violento,
caracterizado pela sua origem de menino pobre dos morros cariocas, alem das já
citadas e gravadas pelas intérpretes baianas.
Um caldeirão da mais
alta qualidade que revela a busca de novas tendências musicais cujos resultados
é a universalização da música brasileira mantendo, porém, sua essência
preservada. Desse modo, através da sensibilidade e percepção artística de Luiz
Melodia, vemos que quando a influência é digerida na dose certa, ela acaba por
se tornar um produto de marca registrada verde e amarela, afinal é preciso olhar
para frente, observar tendências, absorvê-las, mas manter-se fiel a tradição,
isso é, revigorar e amadurecer a nossa estética musical, já a cópia, é um sinal
oposto a todas essas questões. Desse modo, ouvir Luiz Melodia, neste disco
clássico/contemporâneo é poder observar que a música brasileira se adequa, mas
não perde sua integridade, e é assim que deve ser, sempre.
Luiz Américo Lisboa
Junior, in www.luizamerico.com.br
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