“Não
nos devemos apegar assim tão fortemente às nossas tendências e temperamento. O nosso talento
principal é sabermos aplicar-nos a práticas diversas. O estar vinculado, e
necessariamente obrigado, a um único estilo de vida não é viver, é ser. As
almas mais belas são as que têm mais variedade e flexibilidade.
Se me fosse possível constituir-me a meu modo, não
haveria nenhuma forma, por melhor que fosse, na qual eu me quisesse fixar de
sorte que não fosse capaz de dela me apartar. A vida é um movimento desigual,
irregular e multiforme. Não é ser amigo, e muito menos senhor, de si mesmo,
deixar-se incessantemente conduzir por si e estar preso às próprias inclinações
que não possa desviar-se delas nem torcê-las - é ser escravo de si próprio.
Digo-o neste momento por não me poder facilmente
desembaraçar da importunidade da minha alma que consiste em ela normalmente não
saber ocupar-se senão do que a absorve, nem aplicar-se senão por inteiro e de
forma tensa. Por mais trivial que seja o assunto que se lhe dê, ela logo o
aumenta e estica a ponto de ter de se empenhar nele com todas as forças. A sua
ociosidade é-me, por esta causa, uma ocupação penosa e prejudicial à saúde. A
maior parte dos espíritos precisa de matéria de fora para se desentorpecer e
exercitar; o meu dela antes precisa para se acalmar e repousar ‘os vícios do
ócio devem-se dissipar com o trabalho’ - Sêneca - pois o seu principal e mais
laborioso estudo é de si mesmo.”
Michel
de Montaigne, in
Ensaios - De Três Espécies de Convivência
Nenhum comentário:
Postar um comentário