“Os
pensamentos dos homens são muito concordantes com as suas inclinações; as suas
palavras e os seus discursos concordam com as suas opiniões infusas ou
apreendidas; mas as suas ações resultam daquilo a que estão acostumados. Eis
porque, como Maquiavel muito bem notou (ainda que num exemplo mal inspirado),
ninguém deve confiar na força da natureza, nem na jactância das palavras, se
não estiverem corroboradas pelo hábito. O exemplo que ele apresenta é que, na
execução de uma conspiração ousada, ninguém se deve fiar na ferocidade aparente
ou nas promessas resolutas de qualquer pessoa, e que o empreendimento deve ser
confiado a quem tiver já alguma vez manchado as suas mãos com sangue.
(...)
A predominância do costume é por toda a parte visível; de tal maneira que
ficaríamos admirados de ouvir os homens declarar, protestar, prometer, fazer
solenes juramentos, e depois vê-los proceder como tinham feito antes: como se
fossem imagens mortas ou engenhos movidos apenas pelas rodas do costume. Vemos
também o que é o reino ou a tirania do costume.
(...)
Já que o costume é o principal magistrado da vida humana, deve o homem por
todos os meios prover à obtenção de bons costumes. Certamente, o costume fica
mais perfeito quando começa na juventude: a isso se dá o nome de educação, que
não é mais, com efeito, do que um costume precoce. Assim vemos que em relação
aos idiomas, é na juventude, e não mais tarde, que a língua se presta a
reproduzir todos os sons, todas as expressões, todas as moções, todas as
articulações indispensáveis para a boa pronúncia; porque é verdade que os
aprendizes tardios não conseguem adquirir tal sutileza, com exceção de alguns
espíritos que não se deixaram solidificar, mas que zelaram por ficar sempre
abertos e preparados para receber continuado aperfeiçoamento, o que é
extremamente raro. Mas se a força do costume, quando simples e reparada, já é
grande, essa mesma força, quando copulada, conjugada, e coletiva, será ainda
muito maior. Aqui o exemplo ensina, a companhia conforta, a emulação estimula,
a glória eleva, de maneira que, em tais casos, a força do hábito está na sua
exaltação.
A grande multiplicação das virtudes da
natureza humana depende, certamente, das sociedades bem ordenadas e
disciplinadas. Porque os Estados e os bons Governos podem alimentar as virtudes
que estão a crescer, não podem melhorar as sementes. Tristeza é que os meios
mais efetivos são hoje aplicados aos fins menos desejáveis.”
Francis
Bacon, in Ensaios - Do Hábito e da Educação
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