Foto: Elilson Batista
Não lembro
exatamente da primeira vez que senti o gosto do alfenim ainda quente, na hora
do puxa-puxa. Mas lembro, como se fosse agora, do cheiro da fumaça que se
despregou da chaminé do engenho no primeiro dia daquela moagem.
A casa
sede da fazenda ficava num alto, de onde se avistava o engenho e as pedras de
uma pedreira branca, cujo sol do meio dia iluminava a subida verde da Serra de
Portalegre (FOTO).
O ano fora de bom inverno; a baixa de cana
adocicou, ao sugar a seiva doce do massapê, dando aos jegues bastante trabalho
para carregar os cambitos cheios das piojotas e listadas na direção das
caldeiras.
No ano anterior morrera meu pai adotivo, o
padre Alexandrino Suassuna. No ano seguinte, seria assassinado o meu pai
biológico. Antônia de Bibiana, mulher de Raimundo de Taninha, era, naquele
momento, minha mãe provisória.
O engenho de São Pedro era propriedade de um
tio, irmão do padre. A Serra do Martins, onde eu morara na primeira infância,
apenas desenhava para o poente uma silhueta azul acinzentada. Pois o azul não é
uma cor, mas uma distância.
Estava agora noutro mundo. Moleques da minha
idade, entre sete e oito anos. O bagaço da cana estendida no oitão do engenho
oferecia uma praça para jogos e brigas. O açude e a barragem, que hoje sei
pequenos, pareciam imensos mares aos meus olhos de criança.
Ficávamos de olho na chaminé, cuja parte de
cima se avistava da barragem. O segredo residia na cor da fumaça. Assim como na
eleição dos papas, a cor da fumaça, no engenho, também avisa a hora do melado,
ao ponto, ser transferido para a gamela. Só muda a tonalidade das cores. No
vaticano, o sinal é a fumaça branca; no engenho, a fumaça cinza escuro.
Aí saíam todos, pelados, da água, para vestir
às pressas calções ou calças curtas. Em carreira estabanada para o pátio da
bagaceira. Era o momento das puxadeiras mergulharem os camelos no mel. Camelo é
uma cana grande de boa espessura, geralmente a listada, que se raspa a parte
superficial sem tirar a casca, lavada, que se mergulha na gamela e se vai
girando para fixa-lo até que se proceda a retirada do melado ainda marrom, que
vai virar alfenim.
É uma dança de arte; várias mulheres a puxar,
girando no ar, aquele mel grosso, mudando de cor, até ficar quase branco. Antes
que “morra”, elas fazer desenhos de flores ou bichos, que serão postos numa
tábua untada de goma.
Para nós, os moleques, restava o mais sublime
dos doces, que é a raspa da gamela. Lambuzados de mel e infância corríamos de
volta para água. A criança é o mais perigoso dos vigilantes. O adulto, cuja
ganância armazena rugas, não vigia o prazer. Gasta-o. O moleque nada promete ao
futuro.
Quando
cresce, mata o menino e vira estúpido. Té mais.
François Silvestre, in Novo
Jornal
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