sexta-feira, 13 de julho de 2012

John Ford: o maior


O diretor John Ford já foi descrito como o maior cineasta dos Estados Unidos. Além das inúmeras e de incontestáveis premiações em dezenas de conceituados festivais internacionais, o homem que se descrevia como “sou um fazedor de faroestes”, possui uma carreira extremamente diversificada e cheia de elementos que remetem ao modo primário de fazer cinema no Ocidente.
Os temas delimitados por Ford, bem como a forma de retratar personagens, roteiros e não sobrecarregar em movimentos de câmera pautaram todo o modo fílmico do meio-oeste dos Estados Unidos e, por muitos anos, algumas das principais obras cinematográficas da Europa.
Por colaborar tanto para escrever a “cartilha dos filmes”, os colegas norte-americanos sempre o consideraram o melhor de uma geração. Além de quatro Oscar como diretor — “O Delator”, “Como Era Verde o Meu Vale”, “Depois do Vendaval” e “Vinhas da Ira”, Ford ensinou a muitos que ficavam atrás das câmeras a fazerem o menor “barulho visual” possível.
O resultado eram filmes montados com planos secos, objetivos e diretos, uma característica que prevaleceu por décadas no subconsciente daqueles que sentavam na cadeira de diretor. O paradigma visual criado por Ford só foi rompido mais de quatro décadas depois, com o início da Nouvelle Vague e do “cinema de autor”, em especial, o criado na França no início da década de 1960.
Além da estética tradicional, também saiu da mente do “cowboy” muitos dos conceitos que prevalecem e são imitados até hoje no roteiro e na montagem de personagens: figuras como o herói salvador e carrancudo que comanda uma cavalaria ou um grupo de amigos durões, ignorantes, mas bem intencionados, a prostituta de coração de ouro que é mais benevolente que 99% da cidade e o médico bêbado que é surpreendido no meio da noite com um parto ou uma cirurgia de emergência.
Também veio da imaginação de John Ford a inserção no cinema do conceito quase rousseauniano de focar no embate — físico e cultural — do homem branco e o indígena.  Muitos filmes do americano mostram o conflito entre o nativo e o colonizador, um efeito colateral da migração para o Oeste em busca do eldorado da Califórnia, Texas e o Novo México.
Ford, como grande cineasta que era, percebeu que havia sido injusto com os indígenas e se aproximou deles para fazer em 1947 o filme “Sangue de Heróis”, mais conhecido como “Fort Apache”, em que o foco é a crueldade dos colonizadores aos lhes roubarem terras. O último filme da era de faroeste de John Ford também segue linha similar  e é  “Crepúsculo de uma Raça” — no original, “Chevene Autumn”, de 1964 — uma história emocionante em que os personagens Doc Holliday e Wyatt Earp mostram como todo um povo foi devastado pela ganância e a truculência do explorador. 
Mas, a primeira empreitada bem sucedida de Ford e — inclusive, a que lhe deu o pioneiro Oscar e reconhecimento internacional como grande diretor — não veio do faroeste ou dos relatos de vida do meio-oeste. Saiu de uma fase importante, e mesmo assim, pouco explorada da história do diretor que tem uma filmografia especialmente longa com mais de 90 filmes, sendo 10% deles como ator.
Trata do momento em que Ford foi estudar e retratar o modo de vida irlandês e como aquela cultura foi especialmente importante para a formação do povo norte-americano.
No filme “O delator” — no original “The Informer” — a influência de Ford vem do cinema alemão, tão sugestivo e substancial na década de 1930 com filmes como “Aurora”, de Murnau, e “M”, uma obra pouco conhecida, mas síntese da estética de Fritz Lang.
Ambientado na Irlanda, o filme de Ford contém um profundo comentário moral e religioso. O conteúdo sociológico de “O Delator, talvez o mais cristalizado da extensíssima filmografia de Ford,  também é visto, de forma muito mais diluída, nas principais obras cinematográficas futuras do diretor americano .
Com baixo orçamento e filmado em apenas 17 dias, o roteiro de “O Delator” tem uma proposta muito pouco comercial e cheio de simbolismos, neblinas e sombras. Uma das características mais abundantes da história é a multiplicidade de linhas de pensamento e personagens que acabam por confundir o espectador.
O esqueleto base do filme é o cinema “noir" e conta a história de Gypo (Victor McLaglen), um homem assombrado pelo passado — e pelo presente — além de uma paixão pouco ortodoxa: uma loira que se prostitui e cheia de pendências psicológicas com a vida.
Fora a direção superior à média de Ford, o filme dança entre trechos completamente empolgantes e absolutos vales de qualidade. Até os 37 minutos dos 90 totais, a curva é ascendente com destacados méritos para a trilha sonora com o compositor Max Steiner. Gypo caminha cabisbaixo pelas ruas, contra a luz em uma alameda adornada por estátuas de anjos. É como se eles apontassem diretamente para o protagonista com a interjeição: esse é o traidor!
O primeiro ato do filme é fortemente carregado pelas influências expressionistas e a densidade do cinema alemão. O roteiro sai de cena para dar lugar às imagens muito bem captadas pela fotografia de Joseph H. August. São elas que mostram o que o espectador precisa saber sobre Gypo: ele ama Katie (Margot Grahame), tem um temperamento explosivo — conforme nos é mostrado numa luta risível — e é um completo intransigente.
Talvez, um dos mais improdutivos resultados do filme descende do roteiro capega de Dudley Nichols — e estranhamente premiado com um Oscar — e da pressa nas filmagens empreendidas pelo estúdio a John Ford.
O enredo está assentado em uma história repetitiva que o faz enfadonho mesmo em trechos em que o filme teria todos os elementos para se tornar interessante: o é, por exemplo, quando Gypo busca o IRA (sigla em inglês para Exército Republicano Irlandês) e é rejeitado no grupo paramilitar por sua baixa capacidade intelectual. 
É evidente, porém, que o “O Delator” tem seus méritos. Um deles é a técnica sofisticada de George Hively com a montagem paralela para convergir inúmeras histórias múltiplas e simultâneas em uma única linha de pensamento.
O trabalho de John Ford também brilha. É dele a ideia das metáforas que tornam a história católica ao ponto de classifica-las como um embate cristão no estilo Jesus e Judas — vide a citação bíblica inicial, sobre o arrependimento no Evangelho de São Mateus — e a condução de atores medianos como Victor McLaglen — que bem dirigido por Ford, ganhou o Oscar de melhor ator no ano de 1936 — para cenas antológicas, como o momento que Gypo deita-se em posição fetal em um canto escuro.  
É um filme para entender um momento pouco conhecido de um ótimo diretor. John Ford é um artista que soube pensar vários momentos históricos e retratá-los com absoluta qualidade nas telas de cinema.  

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