segunda-feira, 2 de julho de 2012

Excerto de O Velho e o Mar


Ele era um velho que pescava sozinho em seu barco, na Gulf Stream. Havia oitenta e quatro dias que não apanhava nenhum peixe. Nos primeiros quarenta, levara em sua companhia um garoto para auxiliá-lo. Depois disso, os pais do garoto, convencidos de que o velho se tornara salao, isto é, um azarento da pior espécie, puseram o filho para trabalhar noutro barco, que trouxera três bons peixes em apenas uma semana. O garoto ficava triste ao ver o velho regressar todos os dias com a embarcação vazia e ia sempre ajudá-lo a carregar os rolos de linha, ou o gancho e o arpão, ou ainda a vela que estava enrolada à volta do mastro. A vela fora remendada em vários pontos com velhos sacos de farinha e, assim enrolada, parecia a bandeira de uma derrota permanente.
O velho pescador era magro e seco, e tinha a parte posterior do pescoço vincada de profundas rugas. As manchas escuras que os raios do sol produzem sempre, nos mares tropicais, enchiam-lhe o rosto, estendendo-se ao longo dos braços, e suas mãos estavam cobertas de cicatrizes fundas, causadas pela fricção das linhas ásperas enganchadas em pesados e enormes peixes. Mas nenhuma destas cicatrizes era recente.
Tudo o que nele existia era velho, com exceção dos olhos que eram da cor do mar, alegres e indomáveis.
- Santiago - disse-lhe o garoto quando desciam do banco de areia para onde o barco fora puxado -, eu gostaria de tornar a sair com você. Tenho ganho algum dinheiro.
O velho ensinara o garoto a pescar e por isso ele o adorava.
- Não - respondeu-lhe o velho. - Você está num barco de sorte. Fique com eles.
- Mas lembre-se daquela vez em que passamos mais de oitenta dias sem apanhar coisa alguma e depois pescamos dos grandes, todos os dias, durante três semanas.
- Lembro-me muito bem - tornou o velho. - E sei que no período de má sorte você não me abandonou nem duvidou de mim.
- Foi papai quem me fez mudar de barco. Ainda sou um garoto e tenho de obedecer a ele.
- Eu sei - concordou o velho. - É natural.
- Papai não tem muita fé.
- Não - tornou a concordar o velho. - Mas nós temos, não é verdade?
- Sim - afirmou o garoto. - Deixe-me oferecer a você uma cerveja na Esplanada, depois levamos estas coisas para casa. Aceita?
- Por que não? - respondeu o velho. - Entre pescadores...
Sentaram-se na Esplanada e alguns pescadores começaram a fazer troça do velho, mas ele não se zangou. Outros, os de mais idade, olharam para ele e sentiram-se tristes. Mas não o demonstraram e continuaram conversando, sem lhe dar importância, sobre as correntes e as profundidades a que tinham descido as suas linhas, sobre o bom tempo e as coisas que tinham visto ou feito durante o dia. Os pescadores que nesse dia haviam sido bem-sucedidos tinham chegado e limpado os espadartes, levando-os estendidos ao comprido sobre duas tábuas - dois homens sustentavam a ponta de cada tábua - para o armazém de peixes, onde ficavam à espera de que o transporte frigorífico os levasse para o mercado em Havana.
Aqueles que tinham apanhado tubarões carregavam-nos para a fábrica do outro lado da baía, onde eram içados e limpos, os fígados extraídos, as barbatanas cortadas, as peles raspadas e a carne cortada em tiras para salgar.
Ernest Hemingway, in O velho e o mar

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