“A pluralidade humana, condição básica da ação e do
discurso, tem o duplo aspecto da igualdade e diferença. Se não fossem iguais,
os homens seriam incapazes de compreender-se entre si e aos seus antepassados,
ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades das gerações
vindouras. Se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos
os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do
discurso ou da ação para se fazerem entender. Com simples sinais e sons poderiam
comunicar as suas necessidades imediatas e idênticas.
Ser
diferente não equivale a ser outro - ou seja, não equivale a possuir essa
curiosa qualidade de “alteridade”, comum a tudo o que existe e que, para a
filosofia medieval, é uma das quatro características básicas e universais que
transcendem todas as qualidades particulares. A alteridade é, sem dúvida, um aspecto
importante da pluralidade; é a razão pela qual todas as nossas definições são
distinções e o motivo pelo qual não podemos dizer o que uma coisa é sem a
distinguir de outra.
Na sua forma mais abstrata, a alteridade
está apenas presente na mera multiplicação de objetos inorgânicos, ao passo que
toda a vida orgânica já exibe variações e diferenças, inclusive entre
indivíduos da mesma espécie. Só o homem, porém, é capaz de exprimir essa
diferença e distinguir-se; só ele é capaz de se comunicar a si próprio e não
apenas comunicar alguma coisa - como sede, fome, afeto, hostilidade ou medo. No
homem, a alteridade, que ele tem em comum com tudo o que existe, e a distinção,
que ele partilha com tudo o que vive, tornam-se singularidades e a pluralidade
humana é a paradoxal pluralidade dos seres singulares”.
Hannah
Arendt, in A Condição Humana
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