Oswaldo Goeldi, Mar Calmo, circa 1937, xilogravura a cores, sem numeração
“Tanto sol, preso ao chão como se nascesse dele. O mar, a barriga
do mar, calada, arquejante. Os peixes em domingo, volteando rapidamente as
caudas e serenos continuando a abrir caminho. Um navio parado. Domingo. Os
marinheiros passeando pelo cais, pela praça. Um vestido cor-de-rosa aparecendo
e desaparecendo numa esquina. As árvores cristalizadas em domingo, -domingo é
qualquer coisa como árvores de Natal- brilhando silenciosas, contendo, assim,
assim, a respiração. Um homem passando com uma mulher de vestido novo. O homem
quer não ser nada, anda ao lado dela olhando-a quase de frente, indagando,
indagando: diga, mande, pise. Ela não respondendo, sorrindo, puro domingo.
Satisfação, satisfação. Pura tristeza sem mágoa. Tristeza que parece vir de
trás da mulher de cor-de-rosa. Tristeza de domingo no cais do porto, os
marinheiros emprestados à terra. Essa tristeza leve é a constatação de viver.
Como não se sabe de que modo usar esse conhecimento súbito, vem a tristeza”.
Clarice
Lispector, in Perto do coração selvagem (Imaginário Poético)
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