terça-feira, 10 de maio de 2011

De quem a culpa?

- Tu fostes incendiar a Biblioteca?
- Sim, queimei-a".
- Mas é um crime inaudito e ruim,
Que mesmo contra ti, infame, praticaste!
A luz que a tua alma aclara, intrépido, apagaste!
É a tua própria luz que acabas de soprar.
Isso que teu ódio ímpio e louco ousa queimar
é teu bem, teu tesouro, a herança da tua alma.
O livro te protege, instrui, anima e acalma.
O livro toma sempre a tua defensiva.
Vale uma biblioteca o ato de fé, que agora,
Cada uma geração, nos livros rediviva,
Presta: é a noite rendendo um testemunho à aurora.
Oh! Nesse venerando acervo de verdade,
Nessas obras geniais jorrando claridades,
Tumba da antiguidade erguida em repertório,
Nos séculos de luz, nesse genuflexório,
No passado, lição que soletra o porvir,
Nisso que se criou para não se extinguir,
Nos poetas, nos heróis, belos, imarcescíveis,
Na ruma divinal dos Ésquilos terríveis,
Dos Homeros, dos Jobs, de pé sobre o arrebol,
Em Moliére, em Voltaire e Kant, à luz do sol,
Ímpio! Foste chegar uma tocha inflamada!
Todo o espírito humano em cinza, em fumarada!
Esqueceste que o livro é teu libertador?
Lá na altura ele está, como altivo condor:
Brilha. Porque ele brilha é que nos ilumina;
Destrói o cadafalso, a miséria, a chacina.
Ele fala, e nos diz: - Nada de escravo ou pária.
Abre um livro, vai ler: - Platão, Milton, Beccaria,
Esses profetas: - Dante, e Corneille e Shakespeare;
A alma imensa que têm, em ti sentes surgir;
Lendo-os, sentes-te igual a eles todos, altivo;
Lendo, tornas-te meigo, austero e pensativo.
Eles, em tua mente, aumentam de grandeza.
À escuridão de um claustro a alva vem dar clareza.
À proporção que ele entra e afunda em tua mente,
tornas-te mais feliz, tornas-te mais vivente.
Tua alma torna-se apta, a arguida, responder.
Reconheces-te bom e sentes derreter
como a neve ao calor, a vaidade sombria,
O mal, o preconceito, o dogma, a tirania!
Pois, no homem o saber é o que chega primeiro;
Depois a liberdade. Esta divina luz
É tua, e foste tu que, de pronto, a apagaste.
O livro atinge os fins que tu próprio sonhaste.
Entra em teu pensamento e solta e desenleia
Os grilhões com que o erro, a verdade aperreia.
A consciência é um nó górdio horrível, que asfixia.
O livro é teu guardião, teu médico, teu guia.
Tua raiva, ele acalma, e tira-te a demência.
Eis o que perdes, tu, por tua intransigência.
O livro é teu tesouro; é a riqueza, é o saber,
O direito, a verdade, a virtude, o dever,
A razão, aclarando a tua inteligência.
E tu queimaste tudo, infame!...
- Eu não sei ler!

Victor Hugo

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