domingo, 25 de junho de 2023

Capítulo 76 | O Estrume

Súbito deu-me a consciência um repelão, acusou-me de ter feito capitular a probidade de Dona Plácida, obrigando-a a um papel torpe, depois de uma longa vida de trabalho e privações. Medianeira não era melhor que concubina, e eu tinha-a baixado a esse ofício, à custa de obséquios e dinheiros.
Foi o que me disse a consciência; e eu fiquei uns dez minutos sem saber que lhe replicasse. Ela acrescentou que eu me aproveitara da fascinação exercida por Virgília sobre a ex-costureira, da gratidão desta, enfim da necessidade. Notou a resistência de Dona Plácida, as lágrimas dos primeiros dias, as caras feias, os silêncios, os olhos baixos, e a minha arte em suportar tudo isso, até vencê-la. E repuxou-me outra vez de um modo irritado e nervoso.
Concordei que assim era mas aleguei que a velhice de Dona Plácida estava agora ao abrigo da mendicidade: era uma compensação. E raciocinei então que, se não fossem os meus amores, provavelmente Dona Plácida acabaria como tantas outras criaturas humanas; donde se poderia deduzir que o vício é muitas vezes o estrume da virtude, O que não impede que a virtude seja uma flor cheirosa e sã. A consciência concordou, e eu fui abrir a porta a Virgília.

Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

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