Horror

Com os seus OO de espanto, seus RR guturais, seu hirto H, HORROR é uma palavra de cabelos em pé, assustada da própria significação.
Mário Quintana, in Sapato florido

O abolicionismo

Aqueles que alguma vez, em dias de luta, reclinaram na ternura do seio materno a cabeça preocupada, e conservam no fundo d’alma, como aroma de lírios extintos, essa reminiscência benigna, — esses avaliem a consolação do pobre soldado de tantas lutas contra a injustiça, sentindo hoje, entre duas separações, na fronte experimentada pelo fogo estas carícias de mãe.
As coroas que a glória bafeja, embriagam como o suco da vinha: as que o interesse sobredoira, nodoam como o azinhavre do cobre; as que a condescendência liberaliza, amesquinham como a proteção imerecida; mas aquelas com que o ingênuo desvanecimento da pátria afaga a dedicação obscura dos seus trabalhadores, sabem à sinceridade do primeiro leite da vida, e ameigam o coração magoado com a doçura dos beijos que nos perfumam o berço.
Por entre as trevas que velam a face da nossa Bahia, a mãe forte de tantos heróis, a antiga metrópole do espírito brasileiro, com pés assentados na história do seu passado luminoso e a cabeça a cintilar dos astros ainda não apagados na noite das suas tristezas, como aquela imagem dos livros santos, calçada de lua e coroada de estrelas, — as associações abolicionistas representam a plêiade do futuro, nesse diadema de onde as baixezas da nossa política não conseguiram desengastar as últimas gemas.
Pequeninas são elas, e mal parece deslocarem-se, como tão pequeninos e imóveis esses focos radiantes que descrevem órbitas infinitas pelo espaço celeste; mas a verdade tão certa como a eterna estabilidade das leis que regem o cosmo, é que esses núcleos de condensação e irradiação patriótica assinalam hoje os nossos pontos de orientação, no horizonte das coisas que estão por vir.
Pueril engano realmente, senhores, o dos que veem no abolicionismo o termo de uma aspiração satisfeita, A realidade é que ele exprime apenas o fato inicial da nossa vida na liberdade, o ponto de partida de uma trajetória sideral, que se desdobra incomensuravelmente no campo da nossa visão histórica. Cegos os que supõem na abolição a derradeira página de um livro encerrado, uma fórmula negativa, a supressão de um mal vencido, o epitáfio de uma iniquidade secular. O que ela é, pelo contrário, é um cântico de alvorada, o lema já não misterioso de uma idade que começa, o medir das forças do gigante que se desata. Imaginai Prometeu desencadeado, livre do abutre, ensaiando pela escarpa da montanha os primeiros passos de sua vitória contra a tirania suprema.
Nós éramos um povo acorrentado a um cadáver: o cativeiro. O meio século de nossa existência nacional demarca um período de infecção sistemática do país pelas influências sociais e oficiais interessadas na perpetuidade desse regímen de uma vida abraçada à podridão tumular. Agora, que o tempo acabou de dissolver essa aliança sinistra, vamos encetar a cura da septicemia cadavérica, do envenenamento do vivo pelo morto; trabalho que nos impõe os mais heroicos esforços de reação orgânica, e a que há de presidir o signo redentor do abolicionismo.
Abolicionismo é reforma sobre reforma; abolicionismo é reconstituição fundamental da pátria; abolicionismo é organização radical do futuro; abolicionismo é renascimento nacional. Não se há de indicar por uma sepultura com uma inscrição tumular mas por um berço com um horóscopo de luta.
Os que fizeram esta campanha — não me refiro aos operários da última hora, mas aos que se votaram a ela nos dias de dúvida, de sacrifício e de perigo — esses assumiram para com a sua honra um compromisso, que está por saldar-se: a eliminação progressiva das instituições servis, quero dizer, das instituições que vieram pelo consórcio com a escravidão, que se nutriram de seus vermes, e agora, extinto o cativeiro negro, hão de conspirar tenazmente pela eternidade do cativeiro branco.
Rui Barbosa, in Antologia

Amigo era o braço, e o aço!

Ilustração: Rodrigo Rosa

Mire veja! naqueles dias, na ocasião, devem de ter acontecido coisas meio importantes, que eu não notava, não surpreendi em mim. Mesmo hoje não atino com o que foram. Mas, no justo momento, me lembrei em madrugada daquele nome! de Siruiz. Refiro que perguntei ao Garanço, por aquele rapaz Siruiz, que cantava cousas que a sombra delas em meu coração decerto já estava. O que eu queria saber não era próprio do Siruiz, mas da moça virgem, moça branca, perguntada, e dos pés-de-verso como eu nunca tive poder de formar um igual. Mas o Garanço já tinha respondido! ― Eh, eh, ô... O Siruiz já morreu. Morreu morto no tiroteio, entre o Morcêgo e o Suassuapara, passado para cá o Pacuí... Do choque com que ouvi essa confirmação de notícia, fui arriando para um desânimo. Como se assim ele tivesse falado! Siruiz? Mas não foram vocês mesmos que mataram?... Eu, não. Nessa vez, eu tinha restado longe por fora, na Pedra-Branca, não vi combate. Como era que eu podia? O Garanço tomava rapé. Era um sujeito de intenções muito parvas. Perguntou se o Siruiz não seria meu amigo, meu parente. ― Quem sabe se era... ― eu respondi, de toleima. O Garanço, vi que não gostou. Viver perto das pessoas é sempre dificultoso, na face dos olhos. Nem eu quis indagar o mais, certo estava de que ele Garanço não sabia nada do que tivesse valor. Mas eu guardava triste de cór a canção recantada. E Siruiz tinha morrido. Então me instruiram na outra, que era cantiga de se viajar e cantar, guerrear e cantar, nosso bando, toda a vida!

Olerereêe, baiana...
Eu ia e não vou mais:
Eu faço que vou lá dentro, oh baiana, e volto do meio pra trás...

O senhor aprende? Eu entôo mal. Não por boca de ruindade, lá como quem diz. Sou ruim não, sou homem de gostar dos outros, quando não me aperreiam; sou de tolerar. Não tenho a caixeta da raiva aberta. Rixava com nenhum, ali, aceitava o regime, na miudez das normas. Vai, daí, comigo erraram. Um , errou. Um pai-jagunço chamado Antenor, acho que era coração-de-jesusense, começou a temperar conversa, sagaz de fiúza, notei. Ele era homem chegado ao Hermógenes ― se sabia dessa parte. De diz em diz, rodeava a questão. Queria saber que apreço eu tinha por Joca Ramiro, por Titão Passos, os outros todos. Se eu conhecia Sô Candelário, que estava por chegar? O giro dos assuntos ― ele me tenteava a fala. Notei. E, devagar, vinha querendo deixar em mim uma má vazante: me largar em dúvida. Não era? Aquilo eu inteligenciava. Esse Antenor, sempre louvando e vivando Joca Ramiro, acabou por me dar a entender, curtamente, o em conseguinte: que Joca Ramiro talvez fazia mal em estar tanto tempo por longe, alguns de bofe ruim já calculavam que ele estivesse abandonando seu pessoal, em horas de tanta guerra; que Joca Ramiro era rico, dono de muitas posses em terras, e se arranchava passando bem em casas de grandes fazendeiros e políticos, deles recebia dinheiro de munição e paga! seô Sul de Oliveira, coronel Caetano Cordeiro, doutor Mirabô de Melo. Que era que eu achava?
Eu escutei. Respondi? Ah, ah. Sou lá para achar nenhuma coisa. Não tinha nascido no ôntem, cedo tomei experiência de homens por homens. Disse só que decerto Joca Ramiro estava formando gente e meios para vir em ajuda de nós, jagunços em lei, e nesse meio-tempo punha toda confiança no Hermógenes, em Titão Passos, João Goanhá ― fortes no fato valor e na lealdade. Gabei o Hermógenes, principal; bispei. Com isso, aquele Antenor concordou. A bem dizer, aprovou o quanto eu disse. Mas realçou mais altamente a fama do Hermógenes, e do Ricardão, também ― esses dois seriam os chefes de encher a mão, em paz regalada mas por igual nos combates. Esse sujeito Antenor sabia coçar queixo de cobra e semear sal em roças verdes. Vulto perigoso, nas ações ― o Garanço me preveniu, com a boa noção vinda de sua redondice de atinar. Ações? O que eu vi, sempre, é que toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo. Aquele Antenor já tinha depositado em mim o anuvio de uma má ideia! disideia, a que por minhas costas logo escorreu, traiçoeirinha como um rabo de gota de orvalho. Que explicação dou ao senhor? Acreditar, no que ele tinha suso dito, não acreditei. Mas em mim, para mim, aquilo tudo era ― era assim como um lugar com mau-cheiro, no campo, uma árvore! lugar fedido, onde é que alguma jaratataca acuou, por se defender do latido dos cachorros. E grande aviso, naquele dia, eu tinha recebido; mas menos do que ouvi, real, do que do que eu tinha de certo modo adivinhado. De que valeu? Aviso. Eu acho que, quase toda a vez que ele vem, não é para se evitar o castigo, mas só para se ter consolo legal, depois que o castigo passou e veio. Aviso? Rompe, ferro!
Cacei Diadorim. Mas eu estreava umas ânsias. Como fosse, falei, do novo e do velho; mal foi que falei: em zanga ― desrazoadamente ― e de primeira entrada. Acho que, por via disso, Diadorim não deu a devida estimação às minhas palavras. Alheio, eh. Só ojerizado em estilos ele esteve, um raio de momento, foi de ouvir que alguém pudesse duvidar do proceder de Joca Ramiro: Joca Ramiro era um imperador em três alturas! Joca Ramiro sabia o se ser, governava; nem o nome dele não podia atôa se babujar. E aqueles outros: o Hermógenes, Ricardão? Sem Joca Ramiro, eles num átimo se desaprumavam, deste mundo desapareciam ― valiam o que pulga pula. O Hermógenes? Certo, um bom jagunço, cabo-de-turma; mas desmerecido de situação política, sem tino nem prosápia. E o Ricardão, rico, dono de fazendas, somente vivia pensando em lucros, querendo dinheiro e ajuntando. Diadorim, do Ricardão era que ele gostava menos: ― Ele é bruto comercial... ― disse, e fechou a boca forte, feito fosse cuspir.
Eu então disse, pelo conseguinte: ― A bom e bem, Diadorim. Mas, se é ou se não é, por que é que não vamos levar informação sutil a Joca Ramiro, para o enfim? Aí, refalei muito, ao tanto que escondi minha raiva. Quem sabe Joca Ramiro, na lei da caminhação, não estava esquecido de conhecer os homens, deixando de farear o mudar do tempo? Viesse, Joca Ramiro podia detalhar o pôdre do são, recontar seus brabos entre as mãos e os dedos. Podia, devia de mandar embora aquele monstro do Hermógenes. Se sendo etcétera, se carecesse ― eh, uái: se matava!... Diadorim pôs muito os olhos em mim, vi que com um espanto reprovador, não me achasse capaz de estipular tanta maldade sem escrúpulo. Mau não sou. Cobra? ― ele disse? Nem cobra serepente malina não é. Nasci devagar. Sou é muito cauteloso.
Mais em paz, comigo mais, Diadorim foi me desinfluindo. Ao que eu ainda não tinha prazo para entender o uso, que eu desconfiava de minha boca e da água e do copo, e que não sei em que mundo-de-lua eu entrava minhas ideias. O Hermógenes tinha seus defeitos, mas puxava por Joca Ramiro, fiel ― punia e terçava. Que, eu mais uns dias esperasse, e ia ver o ganho do sol nascer. Que eu não entendia de amizades, no sistema de jagunços. Amigo era o braço, e o aço!
Amigo? Aí foi isso que eu entendi? Ah, não; amigo, para mim, é diferente. Não é um ajuste de um dar serviço ao outro, e receber, e saírem por este mundo, barganhando ajudas, ainda que sendo com o fazer a injustiça aos demais. Amigo, para mim, é só isto! é a pessoa com quem a gente gosta de conversar, do igual o igual, desarmado. O de que um tira prazer de estar próximo. Só isto, quase; e os todos sacrifícios. Ou ― amigo ― é que a gente seja, mas sem precisar de saber o por quê é que é. Amigo meu era Diadorim; era o Fafafa, o Alaripe, Sesfrêdo. Ele não quis me escutar. Voltei da raiva.
Digo ao senhor! nem em Diadorim mesmo eu não firmava o pensar. Naqueles dias, então, eu não gostava dele? Em pardo. Gostava e não gostava. Sei, sei que, no meu, eu gostava, permanecente. Mas a natureza da gente é muito segundas-e-sábados. Tem dia e tem noite, versáveis, em amizade de amor.
Antes o que me atanazava, a mór ― disso crio razoável lembrança ― era o significado que eu não achava lá, no meio onde eu estava obrigado, naquele grau de gente. Mesmo repensando as palavras de Diadorim, eu apurava só este resto! que tudo era falso viver, deslealdades. Traição? Traição minha, fosse no que fosse. Quase tudo o que a gente faz ou deixa de fazer, não é, no fim, traição? Há-de-o, a alguém, a alguma coisa. E eu não tardei no meu querer: lá eu não podia mais ficar. Donde eu tinha vindo para ali, e por que causa, e, sem paga de prêço, me sujeitava àquilo? Eu ia-me embora. Tinha de ir embora. Estava arriscando minha vida, estragando minha mocidade. Sem rumo. Só Diadorim. Quem era assim para mim Diadorim? Não era, aquela ocasião, pelo próprio dito de estar perto dele, de conversar e mais ver. Mas era por não aguentar o ser: se de repente tivesse de ficar separado dele, pelo nunca mais. E mesmo forte era a minha gastura, por via do Hermógenes. Malagourado de ódio: que sempre surge mais cedo e às vezes dá certo, igual palpite de amor. Esse Hermógenes ― belzebú. Ele estava caranguejando lá. Nos soturnos. Eu sabia. Nunca, mesmo depois, eu nunca soube tanto disso, como naquele tempo. O Hermógenes, homem que tirava seu prazer do medo dos outros, do sofrimento dos outros. Aí, arre, foi que de verdade eu acreditei que o inferno é mesmo possível. Só é possível o que em homem se vê, o que por homem passa. Longe é, o Sem-olho. E aquele inferno estava próximo de mim, vinha por sobre mim. Em escuro, vi, sonhei coisas muito duras. Nas larguezas do sono da gente.
Guimarães Rosa, in Grande sertão: veredas

O papagaio premiado

O I Concurso Nacional de Papagaios, realizado em Nova Brasília, no estado do Pará, conferiu medalha de ouro ao candidato Crisóstomo, que falava diversas línguas, entre elas o esperanto.
A ave premiada pertencera a sujeitos de diferentes países, daí o seu conhecimento de idiomas. Crisóstomo compareceu a congressos de linguística, e suas intervenções eram gravadas para o ensino audiovisual nas escolas.
Sua pronúncia era invejada não só pelos psitacídeos como por professores de línguas. Ganharia bom dinheiro se fosse ambicioso. Não era. O produto de suas conferências revertia em benefício da Associação dos Papagaios Mudos.
Crisóstomo não resistiu, porém, ao convite para fundar novo partido político. O que sabia em línguas faltava-lhe em arte política. Oradores violentos, na Câmara, impunham-lhe silêncio. Renunciou o mandato e recolheu-se ao asilo da associação beneficiada por ele, que o recebeu com prevenção. E nunca mais falou, a não ser para pedir desculpas.
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2020

Como ensinar

Se eu fosse ensinar a uma criança a arte da jardinagem, não começaria com as lições das pás, enxadas e tesouras de podar. Eu a levaria a passear por parques e jardins, mostraria flores e árvores, falaria sobre suas maravilhosas simetrias e perfumes; a levaria a uma livraria para que ela visse, nos livros de arte, jardins de outras partes do mundo. Aí, seduzida pela beleza dos jardins, ela me pediria para ensinar-lhe as lições das pás, enxadas e tesouras de podar. Se fosse ensinar a uma criança a beleza da música, não começaria com partituras, notas e pautas. Ouviríamos juntos as melodias mais gostosas e lhe falaria sobre os instrumentos que fazem a música. Aí, encantada com a beleza da música, ela mesma me pediria que lhe ensinasse o mistério daquelas bolinhas pretas escritas sobre cinco linhas. Porque as bolinhas pretas e as cinco linhas são apenas ferramentas para a produção da beleza musical. A experiência da beleza tem de vir antes. Se fosse ensinar a uma criança a arte da leitura, não começaria com as letras e as sílabas. Simplesmente leria as estórias mais fascinantes que a fariam entrar no mundo encantado da fantasia. Aí então, com inveja dos meus poderes mágicos, ela desejaria que eu lhe ensinasse o segredo que transforma letras e sílabas em estórias. É muito simples. O mundo de cada pessoa é muito pequeno. Os livros são a porta para um mundo grande. Pela leitura vivemos experiências que não foram nossas e então elas passam a ser nossas. Lemos a estória de um grande amor e experimentamos as alegrias e dores de um grande amor. Lemos estórias de batalhas e nos tornamos guerreiros de espada na mão, sem os perigos das batalhas de verdade. Viajamos para o passado e nos tornamos contemporâneos dos dinossauros. Viajamos para o futuro e nos transportamos para mundos que não existem ainda. Lemos as biografias de pessoas extraordinárias que lutaram por causas bonitas e nos tornamos seus companheiros de lutas. Lendo, fazemos turismo sem sair do lugar. E isso é muito bom.
Rubem Alves, in Ostra feliz não faz pérola

Enigma

Com olhos de abismo, ela sussurrou:
Decifra-me ou devoro-te.
Ele não a decifrou.
Mas anda muito feliz.
Tadeu Renato, in Varandeando

Esboço de um sonho

Vem-lhe de repente um grande desejo de ver seu tio e se apressa por ruelas retorcidas e empinadas, que parecem se esforçar por afastá-lo da velha mansão. Depois de muito andar (mas é como se tivesse os sapatos grudados no chão) vê o pórtico e escuta vagamente o latido de um cachorro, se aquilo for um cachorro. No momento de subir os quatro degraus já gastos e quando estende a mão em direção à aldrava, que é uma outra mão que aperta uma esfera de bronze, os dedos da aldrava se mexem, primeiro o mínimo e pouco a pouco os outros, que vão soltando interminavelmente a bola de bronze. A bola cai como se fosse feita de penas, ricocheteia sem ruído no umbral e pula à altura de seu peito, mas agora é uma aranha preta e gorda. Ele a repele com uma pancada frenética e nesse instante a porta se abre: o tio está de pé, sorrindo sem expressão, como se há tempos estivesse esperando atrás da porta fechada. Trocam algumas frases que parecem preparadas, um xadrez elástico. “Agora eu tenho que responder...” “Agora ele vai dizer...” E tudo acontece exatamente assim. Eles já estão num aposento brilhantemente iluminado, o tio puxa cigarros enrolados em papel prateado e lhe oferece um. Procura os fósforos durante muito tempo, mas na casa toda não há fósforos nem fogo de espécie alguma; não podem acender os cigarros, o tio parece aflito para que a visita acabe, e por fim há uma confusa despedida num corredor cheio de caixotes abertos pela metade e onde mal sobra lugar para uma pessoa se mexer.
Ao sair da casa, sabe que não deve olhar para trás, porque... Só sabe isso, mas sabe, e se retira rapidamente, com os olhos fixos no fundo da rua. Pouco a pouco começa a sentir-se mais aliviado. Quando chega em casa está tão exausto que deita logo, quase sem se despir. Então sonha que está no Tigre e que passa o dia todo remando, com sua noiva, e comendo salsichas no parque Nuevo Toro.
Júlio Cortázar, in Histórias de Cronópios e de Famas

A perigosa aventura de escrever

Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras.” Isso eu escrevi uma vez. Mas está errado, pois que, ao escrever, grudada e colada, está a intuição. É perigoso porque nunca se sabe o que virá — se se for sincero. Pode vir o aviso de uma destruição, de uma autodestruição por meio de palavras. Podem vir lembranças que jamais se queria vê-las à tona. O clima pode se tornar apocalíptico. O coração tem que estar puro para que a intuição venha. E quando, meu Deus, pode-se dizer que o coração está puro? Porque é difícil apurar a pureza: às vezes no amor ilícito está toda a pureza do corpo e alma, não abençoado por um padre, mas abençoado pelo próprio amor. E tudo isso pode-se chegar a ver — e ter visto é irrevogável. Não se brinca com a intuição, não se brinca com o escrever: a caça pode ferir mortalmente o caçador.
Clarice Lispector, in Crônicas para jovens: de escrita e vida

José Leonardo

Aparecia aos sábados na feira, sob um vasto chapéu, aprumado na carona bojuda, numa complicação de alforjes, látegos e bagagens. Foi o sujeito mais digno que já vi. Sério, de uma seriedade imóvel e de estátua, os grandes olhos claros cheios de franqueza.
Conservo a impressão de que José Leonardo, sem se apressar, fazia tudo direito: funcionava como um relógio, as rodas movendo-se regulares, os ponteiros indicando certo número de deveres.
Os negociantes festejavam-no e disputavam-no. O irmão, Antônio Freire, não ligava importância a obrigações: vivia na rua, pedindo aqui e ali o que precisava. Toda a gente o atendia. José Leonardo pagava sem regatear, fingia não perceber aquelas descaídas, e os bodegueiros inventavam contas, sangravam-no.
Não sei como esse homem se aproximou de mim. A seriedade e o silêncio deviam afastar-nos. Trouxe-me presentes, ficamos amigos, levou-me ao Pico, a fazenda que possuía a duas léguas da vila. De inverno a verão, a campina alongava uma faixa de verdura na catinga. Longe, um serrote se erguia a prumo, esquisito muro de pedra rematado por unia ponta com aparência de árvore morta. Daí, o nome da propriedade. Corria de lá um fio de água, que não engrossava nem se reduzia. Canalizado na valeta, domesticado na bica de madeira, despejava no cocho que apodrecia debaixo de um pé de jitó, excelente banheiro. Lembro-me do meu primeiro banho. No calor, o jacto frio nos acariciava. Seu Filipe Fenício esfregava-se com sabão e estava cor de alfenim.
Sacudia uma parte do corpo, como se quisesse despregá-la. Mergulhando no tanque raso, resfolegava como um bicho. Erguia-se, livre da espuma, limpo e fresco. Os bigodes longos derramavam-se, brancos, os pelos da barriga emaranhavam-se, brancos também, e surpreendiam-me. Eu não supunha que existissem pessoas tão cabeludas.
Do cocho a água se derramava, corria solta na várzea, regava o canavial, de canas enormes, único por aqueles sítios. Finda a umidade, o sertão ia surgindo, a princípio vacilante e morno, povoado de ouricuris e cajueiros chinfrins, depois seco e amarelo, coberto de cactos, ossadas e seixos. Aí se arrastavam as criaturas famintas e sujas que vendiam na feira cestos de imbu e caça miúda. Em tempo de escassez viviam disso, e como a escassez era frequente, emigravam, finavam-se na miséria. Uma ou outra cabana, chiqueiros de cabras morrinhentas, badalar triste de chocalho.
Nas minhas viagens ao Pico, arrumado à garupa do cavalo de José Leonardo, eu bocejava no mormaço, olhando a planície crestada, buscando uma folhagem de juazeiro. De repente, fartura e sombra, inalteráveis, que tinham dado ao pequeno proprietário aquela serenidade. Realmente José Leonardo não dependia. Os fazendeiros da região submetiam-se a alternativas: anos de abundância e anos de penúria. Às vezes a terra produzia em excesso, outras vezes não produzia nada. Dissipação, mesquinharia. E contra isso qualquer esforço era inútil.
José Leonardo não conhecia lucros desmedidos nem prejuízos. Dedicava-se a uma indústria segura, diferente da dos vizinhos, Não criava gado — e o Pico estava isento da lama e das moscas dos currais. Vestia pano em casa e no trabalho, coisa espantosa. Em geral só os habitantes da rua usavam tecido. Os matutos se encouravam, mexiam-se como tatus. Pelas redondezas para bem dizer não havia lavoura além da sovina plantação feita nas vazantes dos açudes e nas margens gretadas dos rios periódicos. Os surrões de milho e feijão, em casa de meu avô, procediam da mata, distante. Os homens ferravam, capavam, ordenhavam, retalhavam mantas de carne, curtiam, fabricavam látegos e cordas; as mulheres enchiam potes de leite, mudavam-no em coalhada e em queijo.
No Pico não se percebia o cheiro do sangue nem a podridão das bicheiras. E ocupações desconhecidas logo me impressionaram. Fiquei tempo esquecido na engenhoca, admirando bois encangados, a mover-se em redor de um eixo, a cana a triturar-se em moendas de pau, o caldo a esguichar numa calha que despejava na primeira tacha do assentamento. Daí se baldeava a outras, em cuias presas em varas. E da terceira um melado vermelho passava às formas, que deixavam no chão coberto de bagaço uma chusma de rapaduras.
Nunca me havia ocorrido que as rapaduras fossem consequência de trabalho humano. Encaixadas, nas bodegas, não pareciam exigir tantos preparos.
Aquilo era uma diversão curiosa. Bonitas, cor de ouro, empilhavam-se ainda quentes. E desejei permanecer ali, ao calor da fornalha, vendo a cana esmagar-se, o líquido borbulhar nas talhas, engrossar, solidificar-se.
À noite, na casa-grande, dançavam e cantavam. O luar feria pedrinhas alvas nos caminhos. Achei que uma delas brilhava mais que as outras — e José Leonardo obrigou-me a aceitá-la. Conservei alguns anos a preciosidade que faiscava na treva. Num canto de parede, como brasa perdida no borralho, avivava, em horas de aborrecimento e dor, aquelas recordações — a faixa do canavial, água empapando a várzea, bois mansos pezunhando na engenhoca, o mel a ferver nas tachas, danças, cantigas, a plumagem viva das araras. E iluminava a figura que se ia distanciando no passado, fria, digna, tranquila. Bondade diferente das bondades comuns. Não nos atraía, mas inspirava confiança, vencia o desgraçado acanhamento que me embrulhava a língua, escurecia a vista, gelava as mãos.
Fiz numerosas perguntas a José Leonardo, e ele nunca se espantou. Às vezes hesitava, procurava-me na cara o sentido da frase obscura. E a informação vinha, natural e paciente. Sem me haver impressionado em demasia, esse homem deixou-me lembrança que se estirou e me dispôs a sentimentos benévolos.
Mudei-me, fui viver na cidade. A pedra faiscante sumiu-se — e o meu quarto, rezadas as orações, apagado o candeeiro de querosene, escureceu. Mas a imagem serena me acompanhou. Fixou-se na parede, à noite, perto das litografias de santos, compreensiva e generosa, sem tentar corrigir-me, sem dar-me os conselhos que sempre me aperrearam e não serviram para nada.
Graciliano Ramos, in Infância

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020

A mediocridade trava o talento

Não se tem ideia como abunda a mediocridade. (...) São pessoas como essas que travam sempre, em todos os lados, a máquina acionada pelos homens de talento. Os homens superiores são por natureza inovadores. Quando surgem deparam com o disparate e a mediocridade por todos os lados (ela que tudo domina e que se manifesta em tudo o que se faz). O seu impulso natural é assentar tudo de novo em terreno sólido e experimentar caminhos novos, para fugir a essa vulgaridade e parvoíce. Se por acaso eles triunfam e acabam por levar a melhor sobre a rotina, têm de ser ver a contas, por seu turno, com os incapazes - que fazem ponto de honra da cópia grosseira dos seus processos e estragam tudo o que lhes vem às mãos.
Depois deste primeiro movimento, que leva os inovadores a saírem das sendas já traçadas, segue-se quase sempre outro que os faz, no fim da sua carreira, conter o indiscreto entusiasmo que vai sempre demasiado longe e que, pelo exagero, arruína o que inventaram. Ao se darem conta do triste uso que é feito das inovações que eles lançaram no mundo, começam a elogiar aquilo que, afinal, graças a eles, foi ultrapassado. Talvez haja neles como que um secreto impulso de egoísmo, que os leva a tiranizar a tal ponto os seus contemporâneos e a considerar que só eles podem determinar o que deve ou não ser criticado. É a sua quota-parte de mediocridade; esta fraqueza fá-los por vezes desempenhar um papel ridículo e indigno da consideração a que conquistaram direito.
Eugène Delacroix, in Diário

As coisas

  Arte: Martha Barros

Assim é que elas foram feitas (todas as coisas) —
sem nome.
Depois é que veio a harpa e a fêmea em pé.
Insetos errados de cor caíam no mar.
A voz se estendeu na direção da boca.
Caranguejos apertavam mangues.
Vendo que havia na terra
Dependimentos demais
E tarefas muitas —
Os homens começaram a roer unhas.
Ficou certo pois não
Que as moscas iriam iluminar
O silêncio das coisas anônimas.
Porém, vendo o Homem
Que as moscas não davam conta de iluminar o
Silêncio das coisas anônimas —
Passaram essa tarefa para os poetas.
Manoel de Barros

Tranquilidade de espírito

Depende de ti levar uma vida livre de constrangimentos, em completa tranquilidade de espírito, ainda que todos gritem contra ti o que quiserem e mesmo que as feras despedacem essa massa que cresce em torno de ti. Que impede tua inteligência, em meio a tudo isso, de conservar-se calma e atilada em seus julgamentos sobre o que a cerca e de estar sempre pronta a tirar proveito daquilo que encontra? De tal modo que, como julgamento, possa dizer à coisa que observa: ‘Em essência és isto, embora a opinião possa fazer-te diferente’; e como faculdade de utilizar o que acontece possa dizer ao que acontece: ‘Eu te procurava; para mim o presente é sempre matéria para a faculdade racional e associativa e, em geral, para a habilidade do homem ou do deus’. Pois tudo que acontece tem alguma afinidade com esse deus ou com o homem e nem é novo nem difícil de manejar, mas conhecido e fácil de ser trabalhado.”
Marco Aurélio, in Meditações

Reconstituições de Banksy, na vida real, por Nick Stern

Vejam as brilhantes recriações reais de Banksy do fotógrafo britânico Nick Stern, que reside em Los Angeles. O olho afiado do fotógrafo por detalhes e admiração fotográfica pelo famoso artista de rua está de volta com onze novas adições à coleção cada vez maior de imagens de sua série You Are Not Banksy. Stern, com suas criações, continua a atualizar tridimensionalmente o controverso comentário de Banksy.
Do soldado criança com artilharia adulta à mão, carregada com giz de cera no lugar de balas, a um policial corrupto cheirando seu vício do chão arenoso, Stern consegue capturar cada imagem icônica, satírica e politicamente dirigida. Suas encenações são quase idênticas em cor, figurino, forma e figura às obras originais de grafite estampadas. Um divertido jogo de espectador surge da justaposição das obras de Banksy e Stern, onde o espectador encontra alegria em comparar os dois e em reconhecer a atenção verdadeiramente notável do fotógrafo aos detalhes.












Fonte: acesse aqui.

A linguagem cortante

Uma linguagem que corte o fôlego. Rasante, talhante, cortante. Essa deve ser a linguagem do poeta. Linguagem de aços exatos, de relâmpagos afiados, de agudos incansáveis, de navalhas reluzentes. Uma dentadura que triture o eu-tu-ele-nós-vós-eles. Um vento de punhais que desonre as famílias, os templos, as bibliotecas, os cárceres, os bordéis, os colégios, os manicômios, as fábricas, as academias, os cartórios, as delegacias, os bancos, as amizades, as tabernas, a revolução, a caridade, a justiça, as crenças, os erros, a esperança, as verdades... a verdade!”
Octávio Paz, poeta mexicano

Lavoura Arcaica - 18

Foi este o instante: ela transpôs a soleira, me contornando pelo lado como se contornasse um lenho erguido à sua frente, impassível, seco, altamente inflamável; não me mexi, continuei o madeiro tenso, sentindo contudo seus passos dementes atrás de mim, adivinhando uma pasta escura turvando seus olhos, mas a sombra indecisa foi aos poucos descrevendo movimentos desenvoltos, perdendo-se logo no túnel do corredor: fechei a porta, tinha puxado a linha, sabendo que ela, em algum lugar da casa, imóvel, de asas arriadas, se encontraria esmagada sob o peso de um destino forte; ali mesmo, junto da porta, tirei sapatos e meias, e sentindo meus pés descalços na umidade do assoalho senti também meu corpo de repente obsceno, surgiu, virulento, um osso da minha carne, eu tinha esporas nos meus calcanhares, que crista mais sanguínea, que paixão desassombrada, que espasmos pressupostos! afundei no corredor pisando numa passadeira de perigo, um tremor benigno me sacudia inteiro, mas nenhum ruído nos meus passos, nenhum estilhaço, nenhum gemido no assoalho, logo me detendo onde tinha de me deter, estava escrito: ela estava lá, deitada na palha, os braços largados ao longo do corpo, podendo alcançar o céu pela janela, mas seus olhos estavam fechados como os olhos fechados de um morto, e eu ainda me pergunto agora como montei minha força no galope daquele risco, eu tinha meus pelos ruivos e um monte de palha enxuta à minha frente, mas não se questiona na aresta de um instante o destino dos nossos passos, bastava que eu soubesse que o instante que passa, passa definitivamente, e foi numa vertigem que me estirei queimando ao lado dela, me joguei inteiro numa só flecha, tinha veneno na ponta desta haste, e embalando nos braços a decisão de não mais adiar a vida, agarrei-lhe a mão num ímpeto ousado, mas a mão que eu amassava dentro da minha estava em repouso, não tinha verbo naquela palma, nenhuma inquietação, não tinha alma aquela asa, era um pássaro morto que eu apertava na mão, e me vendo assim perdido de repente, sem saber em que atalho eu, e em que outro atalho a minha fé, nós dois que até ali éramos um só, vi com espanto que meu continente se bifurcava, que precariedade nesta separação, quanta incerteza, quantas mãos, que punhados de cabelos, acabei gritando minha parte alucinada, levantei nos lábios esquisitos uma prece alta, cheia de febre, que jamais eu tinha feito um dia, um milagre, um milagre, meu Deus, eu pedia, um milagre e eu na minha descrença Te devolvo a existência, me concede viver esta paixão singular fui suplicando enquanto a polpa feroz dos meus dedos tentava revitalizar a polpa fria dos dedos dela, que esta mão respire como a minha, ó Deus, e eu em paga deste sopro voarei me deitando ternamente sobre Teu corpo, e com meus dedos aplicados removerei o anzol de ouro que Te fisgou um dia a boca, limpando depois com rigor Teu rosto machucado, afastando com cuidado as teias de aranha que cobriram a luz antiga dos Teus olhos; não me esquecerei das Tuas sublimes narinas, deixando-as tão livres para que venhas a respirar sem saber que respiras; removerei também o pó corrupto que sufocou Tua cabeleira telúrica, catando zelosamente os piolhos que riscaram trilhas no Teu couro; limparei Tuas unhas escuras nas minhas unhas, colherei, uma a uma, as libélulas que desovam no Teu púbis, lavarei Teus pés em água azul recendendo a alfazema, e, com meus olhos afetivos, sem me tardar, irei remendando a carne aberta no meio dos Teus dedos; Te insuflarei ainda o ar quente dos meus pulmões e, quando o vaso mais delgado vier a correr, Tu verás então Tua pele rota e chupada encher-se de açúcar e Tua boca dura e escancarada transformar-se num pomo maduro; e uma penugem macia ressurgirá com graça no lugar dos antigos pelos do Teu corpo, e também no lugar das Tuas velhas axilas de cheiro exuberante, e caracóis incipientes e meigos na planície do Teu púbis, e uma penugem de criança há de crescer junto ao halo doce do Teu ânus sempre túmido de vinho; e tudo isso ressurgirá em Ti num corpo adolescente do mesmo milagre que as penas lisas e sedosas dos pássaros depois da muda e a brotação das folhas novas e cintilantes das árvores na primavera; e logo um vento brando há de devolver o gesto soberano dos Teus cabelos, havendo júbilo e louçania nesta expansão; Te vestirei então de cetim branco com largas palas guarnecidas de galões dourados, ajustando nos Teus dedos anéis cujas pedras guardam os olhares de todos os profetas, e braceletes de ferro para Teus punhos e um ramo de oliveira para Tua nobre fronte; resinas silvestres escorrerão pelo Teu corpo fresco e limpo, punhados de estrelas cobrirão Tua cabeça de menino como se estivesses sobre um andor de chão de lírios; e alimentos tenros Te serão servidos em folhas de parreira, e uvas e laranjas e romãs frescas, e, de pomares mais distantes, colhidas da memória dos meus genitores, as frutas secas, os figos e o mel das tâmaras, e a Tua glória então nunca terá sido maior em toda a Tua história! que dubiedade, que ambiguidade já sinto nesta mão, alguma alma quem sabe pulsa neste gesso enfermo, algum fôlego, alguma cicatriz vindoura já rememora sua dor de agora; um milagre, meu Deus, e eu Te devolvo a vida e em Teu nome sacrificarei uma ovelha do rebanho do meu pai, entre as que estiverem pascendo na madrugada azulada, uma nova e orvalhada, de corpo rijo e ágil e muito agreste; arregaçarei os braços, reúno faca e cordas, amarro, duas a duas, suas tenras patas, imobilizando a rês assustada debaixo dos meus pés; minha mão esquerda se prenderá aos botões que despontam no lugar dos cornos, torcendo suavemente a cabeça para cima até descobrir a área pura do pescoço, e com a direita, grave, desfecho o golpe, abrindo-lhe a garganta, liberando balidos, liberando num jorro escuro e violento o sangue grosso; tomarei a ovelha ainda fremente nos meus braços, faço-a pendente de borco de uma verga, deixando ao chão a seiva substanciosa que corre dos tubos decepados; entrarei na sua pele um caniço resoluto que comporte, duro e resistente, um sopro forte, aplicando nele meus lábios e soprando como meu velho tio soprava a flauta, enchendo-a de uma antiga canção desesperada, estufando seu tamanho como só a morte de três dias estufa os animais; e esfolada, e rasgado o seu ventre de cima até embaixo, haverá uma intimidade de mãos e vísceras, de sangues e virtudes, visgos e preceitos, de velas exasperadas carpindo óleos sacros e muitas outras águas, para que a Tua fome obscena seja também revitalizada; um milagre, um milagre, eu ainda suplicava em fogo quando senti assim de repente que a mão anêmica que eu apertava era um súbito coração de pássaro, pequeno e morno, um verbo vermelho e insano já se agitando na minha palma! cheio de tremuras, cegado de muros tão caiados, esmaguei a água dos meus olhos e disse sempre em febre Deus existe e em Teu nome imolarei um animal para nos provermos de carne assada, e decantaremos numerosos vinhos capitosos, e nos embriagaremos depois como dois meninos, e subiremos escarpas de pés descalços (que tropel de anjos, que acordes de cítaras, já ouço cascos repicando sinos!) e, de mãos dadas, iremos juntos incendiar o mundo!
Raduan Nassar, in Lavoura Arcaica

Poesia, tempo e espaço

Pudessem as palavras do poeta ser casa e outro corpo, ser lugar e caminho, companhia e prova tão simples da existência divina. Pudessem aquelas palavras ser de levar sobre a cabeça, contra a chuva e contra o frio, e servissem para levar à boca e engolir, a matar todas as fomes, ou servissem de beber, a matar todas as sedes. Os poemas, dizia o meu pai, podem ser completos como muito do tempo e do espaço. Podem ser verdadeiramente lugares dentro dos quais passamos a viver.”
Valter Hugo Mãe, in A desumanização

Presentes

Um homem parou na beira de uma mulher e atirou uma pedra para dentro dela.

4 anos depois a mulher disse: eu amo pedras.
4 anos depois o homem disse: quero minhas pedras de volta.
A mulher deixou-se operar.
O homem embrulhou as pedras em papel de seda vermelho e deu-as de presente à mulher.
A mulher deu de presente ao homem a conta do hospital.
O homem deu de presente à mulher de 1 a 2 filhos.
Os filhos deram de presente ao casal 1,6 kg de alegria.
O casal, de alegria, pulou da janela.

A repartição de enterros deu de presente aos filhos um caixão duplo.
Os filhos deram de presente aos seus filhos a história de seus alegres pais.
Um filho deu ao outro filho uma lágrima.
O filho chorou-se todo e afogou-se no choro.

120 anos depois uma mulher parou na beira de um homem e
atirou uma pedra para dentro dele.
O homem disse: não gosto de pedras.
A mulher tentou com um pedaço de pau.
A felicidade deles tornou-se insuportavelmente bela.
Aglaja Veteranyi (Tradução de Fabiana Macchi)

A língua é um ato político

A língua nunca foi e nunca é, em tempo algum, um terreno apolítico, pois ela não pode ser separada daquilo que uma pessoa faz com a outra. Ela sempre vive no caso específico, cada vez é preciso estar à espreita para arrancar-lhe o seu intento. Nessa indissociabilidade da ação ela se torna legítima ou inaceitável, bonita ou feia, também se pode dizer: boa ou má. Em cada língua, isto é, em cada modo de falar estão fincados outros olhos.”

Herta Muller, in O rei se inclina e mata

O dobrão

Gregory Peck como Capitão Ahab no filme Moby Dick, de 1956

Já foi descrita a maneira pela qual Ahab andava pelo tombadilho superior, dando voltas regulares nos dois extremos, na bitácula e no mastro principal; mas, na multiplicidade de outras coisas que pedem um relato, não foi dito que, nesses passeios, às vezes, Ahab, mergulhado em si mesmo, costumava deter-se em cada um desses pontos e ficar parado ali a olhar de modo estranho para o objeto específico que tinha diante de si. Quando parava diante da bitácula, com o olhar fixo na agulha pontiaguda da bússola, o seu olhar parecia o arremesso de um dardo com a intensidade pontiaguda da sua determinação; e quando, ao retomar o passeio, detinha-se outra vez diante do mastro principal, então, o mesmo olhar fixo se concentrava na moeda de ouro ali fixada, e ele mantinha o mesmo aspecto de resolução férrea, só que marcado por uma espécie de desejo, se não esperançoso, turbulento.
Mas, certa manhã, voltando-se na direção do dobrão, Ahab pareceu sentir-se atraído como nunca antes pelas figuras e inscrições estranhas gravadas na moeda, como se tentasse interpretar para si, pela primeira vez, de um modo monomaníaco, algum significado oculto. Certos significados ocultam-se em todas as coisas, caso contrário todas as coisas teriam pouco valor, e o próprio mundo seria apenas um zero vazio, bom para ser vendido como a carga de uma carroça, como se faz nas colinas perto de Boston, para aterrar algum pântano da Via Láctea.



Mas esse dobrão era de ouro puro e bruto, extraído de algum lugar no coração de colinas maravilhosas, onde, ao ocidente e ao oriente, correm sobre as areias douradas as águas de vários Pactolos. Embora estivesse preso na ferrugem dos parafusos de ferro e no azinhavre dos pregos de cobre, ainda conservava intacto o brilho de outrora de Quito. E ainda que estivesse no meio de uma tripulação perversa, passando a toda hora por pessoas perversas, e nas noites intermináveis envolto pelas trevas densas que poderiam encobrir uma aproximação furtiva, toda aurora encontrava o dobrão onde o poente o tinha deixado. Pois estava separado e santificado para um fim aterrorizante; e, por mais libertinos que os marinheiros fossem, todos o reverenciavam como o talismã da baleia branca. Por vezes, conversavam sobre ele nas cansativas vigílias à noite, imaginando quem seria o proprietário no final, e se este viveria o bastante para gastá-lo.
Mas essas magníficas moedas de ouro da América do Sul são medalhas do sol e símbolos dos trópicos. As suas palmeiras, as alpacas e os vulcões; os discos solares e as estrelas; as eclípticas, as cornucópias, e as bandeiras magníficas tremulando estão gravadas em luxuriosa abundância, de tal modo que o ouro precioso parece quase derivar uma riqueza ulterior e glórias acentuadas ao ser cunhado em moedas tão fantasiosas, tão espanholas, tão poéticas.
Quis a sorte que o dobrão do Pequod fosse um exemplo riquíssimo dessas coisas. Na sua borda circular trazia escrito REPUBLICA DEL ECUADOR: QUITO. Portanto, essa moeda reluzente procedia de um país situado na metade do mundo, sob a linha do grande Equador, da qual emprestava o nome, e tinha sido cunhada no meio dos Andes, naquele clima invariável que não conhece o outono. Rodeada por aquelas letras via-se a imagem de três picos dos Andes e, sobre o primeiro, uma flama; uma torre, sobre o segundo; sobre o terceiro pico, um galo que cantava; um segmento do zodíaco dividido ficava arqueado sobre os três, com os signos representados de modo cabalístico, e o sol, princípio básico, entrando no ponto do equinócio em Libra.
Diante dessa moeda equatorial, Ahab, não sem ser notado pelos outros, ficou parado naquele momento.
Há sempre uma coisa egoísta nos picos das montanhas e nas torres, e em todas as outras coisas grandes e elevadas; vê só – três picos, tão orgulhosos quanto Lúcifer. A torre firme, assim é Ahab; o vulcão, assim é Ahab; a ave corajosa, indômita e vitoriosa, assim é Ahab; todos são Ahab; esse ouro redondo é apenas a imagem de um globo redondo, que, como uma bola de cristal, espelha para todo e qualquer homem apenas o seu próprio eu misterioso. Muito esforço e poucos ganhos para os que pedem ao mundo que lhes dê uma explicação; o mundo não pode explicar-se. Penso que esse sol em forma de moeda tem um rosto vermelho; mas vê! Sim, está entrando no signo das tempestades, no equinócio! Mas seis meses atrás saiu do equinócio anterior em Áries! De tempestade em tempestade! Que assim seja, então. Parido com dores, é certo que o homem viva com sofrimento e morra em agonia! Que assim seja, então! Eis um bom material para o infortúnio. Que assim seja, então!”
Nenhum dedo de fada pode ter gravado esse ouro, mas as garras do diabo devem ter deixado suas impressões desde ontem”, murmurou Starbuck para si mesmo, apoiando-se na amurada. “O velho parece estar lendo a inscrição terrível de Baltasar. Nunca observei a moeda em detalhe. Ele desce; vou examiná-la. Um vale sombrio entre três picos poderosos quase tocando o céu, parece quase um símbolo terreno e simples da Trindade. Assim, nesse vale da Morte, Deus nos cerca; e sobre a nossa tristeza o sol da Justiça resplandece como um farol e como uma esperança. Ao abaixarmos os olhos, o vale sombrio mostra seu solo bolorento, mas, ao levantá-los, o sol fulgurante vem ao nosso encontro para nos alegrar. Mas, oh, o sol não é imóvel e se quiséssemos obter algum consolo à meia-noite debalde olharíamos para o alto! A moeda fala com sabedoria, doçura e verdade, mas com tristeza comigo. Vou deixá-la para que a Verdade não me perturbe falsamente.”
Eis o velho Grão-Mogol”, Stubb soliloquiou, próximo à refinaria, “que acaba de examiná-la; e lá vai Starbuck depois de ter feito o mesmo, ambos com caras que daqui eu diria terem nove braças de comprimento. Tudo por causa de uma moeda de ouro que eu não olharia por muito tempo antes de gastar se a tivesse em Negro Hill ou em Corlaer’s Hook. Hum! Na minha simples e insignificante opinião, acho isso esquisito. Já vi dobrões em outras viagens, os dobrões da velha Espanha, os dobrões do Peru, os dobrões do Chile, os dobrões da Bolívia, os dobrões de Popayán, junto com muitas dobras e outras moedas de ouro, e réis de prata, muitos réis de prata e quartos de réis de prata de Portugal. O que haverá nesse dobrão do Equador que é tão irresistivelmente maravilhoso? Pela Golconda! Deixa-me ir vêlo uma vez. Puxa! Tem mesmo signos e maravilhas! É o que o velho Bowditch no seu Epítome chama de Zodíaco, e meu almanaque lá embaixo também. Vou buscar o almanaque! E, como ouvi dizer que os demônios podem ser chamados com a aritmética de Daboll, vou tentar encontrar um sentido nestas coisas estranhas com o calendário de Massachusetts. Eis o livro. Vamos ver. Signos e maravilhas, e o sol sempre entre eles. Hum, hum, hum; ei-los – aí estão – lá se vão – todos vivos: Carneiro, ou Áries; Taurus, ou Touro; e Jimini! Aqui está Gemini, ou Gêmeos. Bem, o sol gira ali no meio. Sim, aqui na moeda está atravessando a porta entre duas das doze salas que formam uma roda. Livro! Fica aí; a verdade é que vocês, livros, devem saber qual é o seu lugar. Vocês nos dão apenas as palavras e os fatos, mas nós provemos os pensamentos. Esta é a minha parca experiência, com respeito ao calendário de Massachusetts, ao navegador de Bowditch e à aritmética de Daboll. Signos e maravilhas, hein? Que pena se não houver nada de maravilhoso nos signos, nem de significativo nas maravilhas! Há um indício em algum lugar; espere um pouco; psiu – ouça! Por Jove, ei-lo! Veja, Dobrão, o seu zodíaco é a vida do homem em um só capítulo: e agora vou lê-la, direto do livro. Venha, Almanaque! Para começar: eis Carneiro, ou Áries – cão devasso, ele nos gera; depois Taurus, ou Touro – ele nos dá o primeiro golpe; depois Gemini, ou Gêmeos – ou seja, a virtude e o vício; experimentamos a Virtude quando chega o Caranguejo, Câncer, e nos leva para trás; aqui, partindo da Virtude, Leo, um Leão que ruge, está deitado no caminho – ele morde feroz, por vezes, e dá umas patadas certeiras; escapamos e saudamos Virgo, a Virgem! É o nosso primeiro amor; casamo-nos, pensamos que seremos felizes para sempre, quando de pronto vem Libra, ou Balança – a felicidade é pesada, o peso é pouco; enquanto estamos tristes por isso, meu Deus, damos um pulo repentino quando Scorpio, ou Escorpião, nos dá uma ferroada pelas costas; estamos tratando da ferida quando de súbito flechas nos cercam por todos os lados; o Arqueiro, ou Sagitário, está se divertindo. Quando tiramos as flechas, sai da frente, chega o aríete Cabra, Capricórnio, a toda a velocidade, vem correndo, e somos jogados de cabeça para baixo; quando o Carregador de Água, ou Aquário, verte todo o seu dilúvio e nos afoga; e para concluir, com Pisces, ou Peixes, nós dormimos. Eis um sermão escrito nas alturas, onde o sol aparece todos os anos, e, contudo, sai dele vivo e vigoroso. Lá em cima, alegre, passa por labutas e dificuldades, enquanto cá embaixo o alegre Stubb faz o mesmo. Oh, que mundo alegre para vocês! Adeus, Dobrão! Mas espera aí! Lá vem King-Post; vou me esconder atrás da refinaria, agora, e ouvir o que ele tem a dizer. Isso! Ele está diante da moeda, já dirá algo. Isso, isso, está começando.”
Não vejo nada aqui, salvo uma coisa redonda feita de ouro, e quem avistar uma certa baleia receberá essa coisa redonda. Pois então, por que é que todo mundo fica olhando? Vale dezesseis dólares, é verdade; cada charuto custa dois centavos, isso dá novecentos e sessenta charutos. Não fumo cachimbos imundos como Stubb, mas gosto de charutos, e aqui tem novecentos e sessenta, e por isso Flask está subindo agora para observar.”
Devo chamar a isto de sabedoria ou de bobagem? Se for sabedoria, tem aspecto de bobagem; mas, se for mesmo uma bobagem, tem certa sabedoria. Basta! Aí vem o nosso velho homem da ilha de Man – deve ter sido um cocheiro de carros fúnebres, isto é, antes de vir para o mar. Está indo para a bolina à frente do dobrão; puxa, deu a volta do outro lado do mastro; ora, tem uma ferradura pregada daquele lado; está voltando de novo agora; o que é isso? Veja! Está murmurando – a voz se parece com a de uma velha máquina de café quebrada. Preste atenção e escute!”
Se a Baleia Branca for avistada, isso acontecerá dentro de um mês e um dia, quando o sol estiver em um desses signos. Estudei os signos e conheço as figuras; a bruxa velha de Copenhague ensinou-me quatro décadas atrás. Ora, em que signo estará o sol nessa ocasião? No signo da ferradura, pois está ali, do lado contrário do ouro. E o que é o signo da ferradura? O leão é o signo da ferradura – o leão que ruge e devora. Navio, meu velho navio! A minha cabeça velha estremece ao pensar em ti!”
Existe uma outra versão, mas é o mesmo texto. Todos os tipos de homens em um só tipo de mundo, bem se vê. Esconder-me, outra vez! Aí vem Queequeg – todo tatuado –, parece com os próprios signos do Zodíaco. O que diz o Canibal? Pela minha vida, ele está comparando os sinais; está olhando para o seu fêmur; acho que pensa que o sol fica na coxa, ou na panturrilha, ou nas tripas, como as velhas do campo falam sobre a Astronomia do Cirurgião. Por Jove, achou alguma coisa perto da sua coxa – acho que é Sagitário, o Arqueiro. Não, ele não sabe o que pensar do dobrão, confunde-o como um botão velho das calças de um rei. Mas para o lado, outra vez! Aí vem o demônio-fantasma, Fedallah, com a cauda enrolada como sempre, e com estopa na ponta dos sapatos como sempre. O que diz, com aquele olhar que tem? Ah, só faz um sinal para o sinal e se curva; tem um sol na moeda – adorador do fogo, sem dúvida. Oh! Mais e mais. Ali vem Pip – coitado! Se tivesse morrido, ou eu, sinto quase horror ao vê-lo. Ele também está a observar esses intérpretes – eu inclusive –, e, veja, vai ler com o rosto sobrenatural de um idiota. Vai para o lado outra vez e escuta o que ele diz. Escuta!”
Eu olho, tu olhas, ele olha, nós olhamos, vós olhais, eles olham.”
Pela minha alma, ele anda estudando a gramática de Murray! Aperfeiçoando o espírito, coitado! Mas o que diz agora – psiu!”
Eu olho, tu olhas, ele olha, nós olhamos, vós olhais, eles olham.”
Ora, está decorando – psiu! Outra vez!”
Eu olho, tu olhas, ele olha, nós olhamos, vós olhais, eles olham.”
Isso é engraçado.”
E eu, tu, e ele; e nós, vós, e eles, somos todos morcegos; e eu sou um corvo, especialmente quando fico de pé no alto desse pinheiro aqui. Crau! Crau! Crau! Crau! Crau! Crau! Não sou um corvo? Cadê o espantalho? Está ali, dois ossos enfiados em uma calça velha, e mais dois colocados nas mangas de um casaco velho.”
Será que está falando de mim? – lisonjeiro! – coitado! – eu poderia me enforcar. De qualquer modo, por enquanto, vou deixar essa proximidade com Pip. O resto ainda consigo aguentar, pois estão lúcidos, mas esse aí está muito louco para a minha sanidade. Assim, assim, deixo-o a murmurar.”
Este dobrão aqui é o umbigo do navio, e todos estão em chamas para soltá-lo. Mas, se soltarem o umbigo, qual será a consequência? Mas também, se ele ficar aqui a coisa também ficará feia, pois quando há alguma coisa pregada no mastro é sinal que as coisas vão mal. Ha, ha! Velho Ahab! A Baleia Branca vai pregar você! Isso é um pinheiro. O meu pai, no condado de Tolland, certa vez cortou um pinheiro e encontrou um anel de prata que cresceu junto com ele, uma aliança de um velho negro. Como foi parar ali? Também vão perguntar o mesmo na ressurreição, quando vierem buscar esse mastro velho e encontrarem o dobrão preso, com ostras incrustadas na sua casca áspera. Oh, o ouro! O ouro precioso, precioso! – o miserável verde guardará você em breve! Deus vai entre os mundos colhendo amoras. Cozinheiro! Ó, cozinheiro! Estamos fritos! Jenny! ei, ei, ei, ei, ei, Jenny, Jenny! Faz logo o teu pão!”
Herman Melville, in Moby Dick

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Contrastes

Oi eu sou Uğur. Eu moro na Turquia, que por acaso está localizada ao lado de uma das regiões mais perigosas do mundo moderno. O contraste entre esses territórios reflete dois mundos diferentes para mim, e isso me inspirou a retratar isso no meu trabalho.
Eu desejo um futuro pacífico.
















Fonte: acesse aqui.