quinta-feira, 30 de abril de 2015

Direitos naturais

Thomas Paine afirma que a história nada prova salvo os nossos erros, dos quais devemos nos libertar. O único ponto de partida para escapar dela é reafirmar a unidade do gênero humano, que a história dividiu. Só assim se descobre que o homem, antes de ter direitos civis que são o produto da história, tem direitos naturais que os precedem; e esses direitos naturais são o fundamento de todos os direitos civis. Mais precisamente: “São direitos naturais os que cabem ao homem em virtude de sua existência. A esse gênero pertencem todos os direitos intelectuais, ou direitos da mente, e também todos os direitos de agir como indivíduo para o próprio bem-estar e para a própria felicidade que não sejam lesivos aos direitos naturais dos outros”.

Norberto Bobbio, in A era dos direitos

Busca da verdade

Crê nos que buscam a verdade. Duvida dos que a encontram.
André Gide

Claridade

Sempre acreditei que a claridade é a gentileza do filósofo e, além disso, esta nossa disciplina tem como ponto de honra, hoje mais do que nunca, estar aberta e porosa a todas as mentes, diferente das ciências especiais, que cada vez mais com maior rigor, interpõem entre o tesouro das suas descobertas e a curiosidade dos profanos o dragão medonho da sua terminologia hermética. Penso que o filósofo tem que levar até ao limite de si próprio o rigor metódico quando investiga e persegue as suas verdades, mas que ao emiti-las e enunciá-las deve evitar o uso cínico com que alguns homens de ciência se comprazem, como Hércules de feira, em ostentar diante do público os bíceps do seu tecnicismo.”
Ortega y Gasset, in O Que é a Filosofia?

A revolução dos bichos (excerto)


Mesmo miserável como é, nossa vida não chega nem ao fim de modo natural. Não me queixo por mim, que tive até muita sorte. Estou com doze anos e sou pai de mais de quatrocentos porcos. Isto é a vida normal de um barrão. Mas no fim, nenhum animal escapa ao cutelo.
Vós, jovens leitões que estais sentados à minha frente, não escapareis de guinchar no cepo, dentro de um ano. Todos chegaremos a esse horror, as vacas, os porcos, as galinhas, as ovelhas, todos. Nem mesmo os cavalos e os cachorros escapam a esse destino. Sansão, no dia em que seus músculos fortes perderem a rigidez, Jones o mandará para o carniceiro e você será degolado e fervido para os cães de caça. Quanto aos cachorros, depois de velhos e desdentados, Jones amarra-lhes uma pedra ao pescoço e os atira na primeira lagoa.
Não está, pois, claro como água, camaradas, que todos os males da nossa existência têm origem na tirania dos humanos? Basta que nos livremos do Homem para que o produto de nosso trabalho seja só nosso. Praticamente, da noite para o dia, poderíamos nos tornar ricos e livres. Que fazer, então? Trabalhar dia e noite, de corpo e alma, para a derrubada do gênero humano. Esta é a mensagem que eu vos trago, camaradas: Rebelião! Não sei dizer quando será esta revolução, pode ser daqui a uma semana ou daqui a um século, mas uma coisa eu sei, tão certo quanto o ver eu esta palha sob meus pés: mais cedo ou mais tarde, justiça será feita. Fixai isso, camaradas, para o resto de vossas curtas vidas! E, sobretudo, transmiti esta minha mensagem aos que virão depois de vós, para que as futuras gerações continuem na luta, até a vitória.
E lembrai-vos, camaradas, jamais deixai fraquejar vossa decisão. Nenhum argumento vos poderá desviar. Fechai os ouvidos quando vos disserem que o Homem e os animais têm interesses comuns, que a prosperidade de um é a prosperidade dos outros. É tudo mentira. O Homem não busca interesses que não os dele próprio. Que haja entre nós, animais, uma perfeita unidade, uma perfeita camaradagem na luta. Todos os homens são inimigos, todos os animais são camaradas.”
George Orwell, in A revolução dos bichos

Recusa ao prazer

Ele falava a tarde toda:
- Afinal nessa busca de prazer está resumida a vida animal.
A vida humana é mais complexa: resume-se na busca do prazer, no seu temor, e sobretudo na insatisfação dos intervalos. É um pouco simplista o que estou falando, mas não importa por enquanto. Compreende? Toda ânsia é busca de prazer. Todo remorso, piedade, bondade, é o seu temor. Todo o desespero e as buscas de outros caminhos são a insatisfação. Eis aí um resumo, se você quer. Compreende?
- Sim.
- Quem se recusa ao prazer, quem se faz de monge, em qualquer sentido, é porque tem uma capacidade enorme para o prazer, uma capacidade perigosa - daí um temor maior ainda. Só quem guarda as armas a chave é quem receia atirar sobre todos.
Clarice Lispector, in Perto do coração selvagem

Desentendimentos

A história dos homens é a história dos seus desentendimentos com deus, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos a ele.”
José Saramago, in Caim

Vertical morte

Paraquedista, a que distância
escolherás o teu lugar
sobre as vogais de tantos olhos,
tu, leviano como til?
Tão moço, tinha moço amor
além da mãe, da irmão, do irmão,
do companheiro antes alegre
e triste já pelo que viu:
saltaram dez, saltaram cem…

Negra metade do que fora
o claro salto de um tiziu
ou, mais, crisântemo de seda
entre o chão duro e o fofo anil.
Mas nem foi de abelha o zumbir…

O paraquedas não se abriu.

E era um exercício de paz:
da paz que as armas não baniu.
Geir Campos

Mais de vinte

Quentura do crânio rodete. E esses bichos batendo na cara dum cristão. Me aposento-me. Uma casa em Japaratuba, que é lugar fresco e assossegado, junto do rio Japaratuba, que o único defeito é nascer lá naquelas brenhas de Muribeca, hem Amaro? E fico encostado, comendo caranguejo. Assino a orelha dum par de cabras de leite e fico lá encostado, jogando gamão. Doce de leite, hum? Chu. Vida mansa, não sabe vosmecê. E eu de vinte mortes nas costas. Mais de vinte. Olhando para mim, não se diz. Mas se eu não sou um homem despachado ainda estava lá no sertão sem nome, mastigando semente de mucunã, magro como o filho do cão, dois trastes como possuídos, uma ruma de filhos, um tico de comida por semana e um cavalo mofino para buscar as tresmalhadas de qualquer dono. Espiando o dia de São José, aquelas secas espóticas, nuncão. Aquela chuva que antes de chegar embaixo já está subindo de novo, de tão queimosa a excomungada da terra, lembra labaredas. Japaratuba é menos agreste. Compro um binoclo, na tenção de olhar as paragens. Gosto de binoclos. Mas de vinte nas costas, veja vosmecê, é como mulher, não se consegue lembrar todas. A primeira é mais difícil, mas depois a gente aprende a não olhar a cara para não empatar a obra. De perto demais não é bom. Se agarram-se na gente, puxam a túnica para baixo. Verdade que pouco estou de farda, mas quando estou me aborreço que suje minha farda. Não gosto de estar com uniforme descompleto. Estradinha da moléstia. Não sei, talvez possa ser melhor comprar uma plantação boa, num sítio quieto. Mandioca. Interessante, é venenosa, mas nunca vi ninguém morrer de mandioca, agora todo mundo sabe que é venenosa. Matar de veneno é porcaria. Conheci um cabo que bebeu tatu e se vomitou todo. Morreu feio, lançando arroxeado na cama. O terceiro que morreu na catinga não me lembro o nome. Um com a cara de peru assoberbado, um vermelho. Teve morte demorada. Bicho valente, reagiu de facão, de maneiras que tivemos de encher logo o couro dele. Assim mesmo, a bochecha de Alípio tomou um corte medonho e ficou escancarada como duas folhas soltas. Ferida feia. Preciso comprar brilhantina assim que chegar numa cidade de gente. Quando vou à paisana, o quepe não está para assentar as grenhas. Alípio queria falar, mas não podia, só assoprava com descontrole de vento. Donde se vê que a sede da fala também é parte na bochecha. Pouco sangue, só o bastante para lambuzar mais ou menos o pescoço. Aquilo como duas bandeiras, uma desencontrando da outra. Compro uma brilhantina cheirosa e mando aparar as costeletas. Alípio ainda acertou as tripas do udenista com a baioneta três ou quatro vezes. Maioria dos udenistas custam de morrer, se prende no ar como camaleão. Não ser as mulheres, que morre como qualquer, udenista, pessedista, queremista, intregalista ou comunista. Também não sei muito de mulher. A gota serena, a bexiga da peste. Dá de gancho. Tem quem tome a Saúde da Mulher, para purgar a reima. Sei não. Arde. Até de noite essa poeira vai entrando e suja a camisa de amarelo. Amaro só anda ripado pela estrada, mas com esse caminho de carroça não se pode fazer mais. Vosmecê garanto que não tem pressa. Compro Quina Petróleo Oriental, como o Chefe usa e sai todo busuntado, passeando na rua João Pessoa, de roupa branca e um lenço no bolso e dando aquelas paradas para conversar e explicar a situação e depois sentando para tomar cerveja e comer queijo com um molho preto em cima. Para mim o Chefe campa as mulheres da miuçalha toda, quando quer. É entrar naquela sala e sair galada. Para mim é isso. Quina Petróleo Oriental. Arre. Diabo de mosca. Mosca não se afoga. Menino, eu pegava as moscas e botava numa garrafa dágua, sacudia bem e quando abria lá vem mosca voando que nem esta aí nem vai chegando. Resiste bem. O que me reta é que a gente enxota e ela vem no mesminho lugar que estava quando a gente enxotou antes.”
João Ubaldo Ribeiro, in Sargento Getúlio

Eu criança

Criança feliz e saudável, cresci num mundo luminoso de livros ilustrados, areias alvas, laranjeiras, cachorros fiéis, panoramas marinhos e rostos sorridentes. O esplêndido Hotel Mirana girava em torno de mim como uma espécie de universo privado, um cosmo caiado de branco dentro daquele outro, azul e maior, que refulgia lá fora. Da lavadora de pratos em seu avental de algodão ao potentado no terno de flanela, todos gostavam de mim, todos me mimavam. Velhas senhoras americanas, apoiadas em bengalas, inclinavam-se sobre mim qual torres de Pisa. Princesas russas arruinadas, que não tinham meios de pagar a meu pai, compravam-me caros bombons. Ele, mon cher petit papa, levava-me para passear de barco ou de bicicleta, ensinava-me a nadar, mergulhar e andar de esqui aquático, lia-me Dom Quixote e Os miseráveis - e eu o adorava e respeitava, sentindo-me feliz por ele quando por acaso ouvia a criadagem comentar suas várias amizades femininas, belas e meigas criaturas que me devotavam grande atenção, derramando preciosas lágrimas sobre minha alegre orfandade.”
Vladimir Nabokov, in Lolita

Definição do amor

Desmaiar-se, atrever-se, estar furioso,
áspero, terno, liberal, esquivo,
alentado, mortal, defunto, vivo,
leal, traidor, covarde e valoroso;
não ver, fora do bem, centro e repouso,
mostrar-se alegre, triste, humilde, altivo,
enfadado, valente, fugitivo,
satisfeito, ofendido, receoso;
furtar o rosto ao claro desengano,
beber veneno qual licor suave,
esquecer o proveito, amar o dano;
acreditar que o céu no inferno cabe,
doar sua vida e alma a um desengano,
isto é amor; quem o provou bem sabe.
Lope de Vega

Igualdade e necessidade de todos os seres humanos

E o que poderia pensar [uma pessoa] nesse momento decisivo? Que a justiça distributiva só faz sentido caso se acredite na igualdade moral de todos os seres humanos, na necessidade que todos os seres humanos, têm de liberdade individual, no fato de que tal liberdade depende de determinados bens materiais e na viabilidade de o Estado garantir a distribuição desses bens? É pouco provável. A maioria das pessoas se sentirá tocada, por exemplo, pelas circunstâncias opressivas sofridas pelos pobres nas áreas mais antigas e decadentes das metrópoles norte-americanas, e, em sua empatia, descobrem na “justiça distributiva” uma boa maneira de expressar aquilo que gostariam que fosse feito por eles. Ou então se sentirão indignadas diante de fotos de crianças sem-teto ou de histórias nos jornais sobre pessoas que morrem de doenças que seriam facilmente curáveis se tivessem assistência médica. Ou ainda, elas se sentirão indignadas diante da ultrajante riqueza ostentada por algumas pessoas em Beverly Hills ou em Manhattan. E o que elas querem dizer, então, com a “justiça distributiva” que apoiam? Podem não saber exatamente. Com certeza, querem dizer que ninguém deveria viver, geração após geração, nas condições que os pobres têm de enfrentar nas metrópoles norte-americanas, que todas as crianças deveriam ter um teto sobre suas cabeças, ou que o luxo desmesurado é injustificável quando outros mal conseguem sobreviver, mas não é preciso que disponham de uma teoria elaborada para explicar como os males que veem se conectam uns aos outros ou deveriam ser curados. Conforme cada pessoa se junta à corrente histórica daqueles que acreditaram na justiça distributiva (ou que desacreditaram nela), essa pessoa não precisa saber exatamente o que é aquilo a que se vinculou. A história da ideia, assim como seu uso mais amplo no momento em que tal pessoa se agarra a ela, lhe confere conotações de que ela não precisa compartilhar conscientemente.”
Samuel Fleischacker, in Uma breve história da justiça distributiva

Delícias da Culinária Brasileira

Tutu de feijão

Pamonha

Bobó de camarão

"Arrumadinho"


Picanha suína ao molho de jabuticaba

Farofa

Tapioca

Fonte das imagens: brazilwonders.tumblr.com

Crianças na escola

É por isso que se mandam as crianças à escola: não tanto para que aprendam alguma coisa, mas para que se habituem a estar calmas e sentadas e a cumprir escrupulosamente o que se lhes ordena, de modo que depois não pensem mesmo que têm de pôr em prática as suas ideias.”
Emmanuel Kant

Mudanças

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança:
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.

Continuamente vemos novidades,
Diferentes em tudo da esperança:
Do mal ficam as mágoas na lembrança,
E do bem (se algum houve) as saudades.

O tempo cobre o chão de verde manto,
Que já coberto foi de neve fria,
E em mim converte em choro o doce canto.

E afora este mudar-se cada dia,
Outra mudança faz de mor espanto,
Que não se muda já como soía.
Luís Vaz de Camões

O destino hesita

O destino, isso a que damos o nome de destino, como todas as coisas deste mundo, não conhece a linha reta. O nosso grande engano, devido ao costume que temos de tudo explicar retrospectivamente em função de um resultado final, portanto conhecido, é imaginar o destino como uma flecha apontada diretamente a um alvo que, por assim dizer, a estivesse esperando desde o princípio, sem se mover. Ora, pelo contrário, o destino hesita muitíssimo, tem dúvidas, leva tempo a decidir-se.”
José Saramago

Os amigos...

Sede felizes; os amigos desaparecem quando somos infelizes.”
Eurípedes

Domingos, um sujeito respeitável


Eu andava no pátio, arrastando um chocalho, brincando de boi. Minha avó, sinha Germana, passava os dias falando só, xingando as escravas, que não existiam. Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva tomava pileques tremendos. Às vezes subia à vila, descomposto, um camisão vermelho por cima da ceroula de algodão encaroçado, chapéu de ouricuri, alpercatas e varapau. Nos dias santos, de volta da igreja, mestre Domingos, que havia sido escravo dele e agora possuía venda sortida, encontrava o antigo senhor escorado no balcão de Teotoninho Sabiá, bebendo cachaça e jogando três-setes com os soldados. O preto era um sujeito perfeitamente respeitável. Em horas de solenidade usava sobrecasaca de chita, correntão de ouro atravessado de um bolso a outro do colete, chinelos de trança, por causa dos calos, que não aguentavam sapatos. Por baixo do chapéu duro, a testa retinta, úmida de suor, brilhava como um espelho. Pois, apesar de tantas vantagens, mestre Domingos, quando via meu avô naquela desordem, dava-lhe o braço, levava-o para casa, curava-lhe a bebedeira com amoníaco. Trajano Pereira de Aquino Cavalcante e Silva vomitava na sobrecasaca de mestre Domingos e gritava:
- Negro, tu não respeitas teu senhor não, negro!
Graciliano Ramos, in Angústia

De ressaca


Hoje, existem pílulas milagrosas, mas eu ainda sou do tempo das grandes ressacas. As bebedeiras de antigamente eram mais dignas, porque você as tomava sabendo que no dia seguinte estaria no inferno. Além de saúde era preciso coragem. As novas gerações não conhecem ressaca, o que talvez explique a falência dos velhos valores. A ressaca era a prova de que a retribuição divina existe e que nenhum prazer ficará sem castigo.
Cada porre era um desafio ao céu e às suas feras. E elas vinham: Náusea, Azia, Dor de Cabeça, Dúvidas Existenciais – as golfadas. Hoje, as bebedeiras não têm a mesma grandeza. São inconsequentes, literalmente. Não é que eu fosse um bêbado, mas me lembro de todos os sábados de minha adolescência como uma luta desigual entre a cuba-libre e o meu instinto de autopreservação. A cuba-libre ganhava sempre. Já dos domingos me lembro de muito pouco, salvo a tontura e o desejo de morte.
Jurava que nunca mais ia beber, mas, antes dos trinta, “nunca mais” dura pouco. Ou então o próximo sábado custava tanto a chegar que parecia mesmo uma eternidade. Não sei o que a cuba-libre fez com meu organismo, mas até hoje quando vejo uma garrafa de rum os dedos do meu pé encolhem.
Tentava-se de tudo para evitar a ressaca. Eu preferia um Alka-Seltzer e duas aspirinas antes de dormir. Mas no estado em que chegava nem sempre conseguia completar a operação. Às vezes dissolvia as aspirinas num copo de água, engolia o Alka-Seltzer e ia borbulhando para a cama, quando encontrava a cama. Mas os métodos variavam.
Por exemplo:
Um cálice de azeite antes de começar a beber – O estômago se revoltava, você ficava doente e desistia de beber.
Tomar um copo de água entre cada copo de bebida – O difícil era manter a regularidade. A certa altura, você começava a misturar a água com a bebida, e em proporções cada vez menores. Depois, passava a pedir um copo de outra bebida entre cada copo de bebida.
Suco de tomate, limão, molho inglês, sal e pimenta – Para ser tomado no dia seguinte, de jejum. Adicionando vodca ficava um bloody-mary, mas isto era para mais tarde um pouco.
Sumo de uma batata, sementes de girassol e folhas de gelatina verde dissolvidas em querosene – Misturava-se tudo num prato pirex forrado com velhos cartões do sabonete Eucalol. Embebia-se um algodão na testa e deitava-se com os pés na direção da ilha de Páscoa. Ficava-se imóvel durante três dias, no fim dos quais o tempo já teria curado a ressaca de qualquer maneira.
Uma cerveja bem gelada na hora de acordar – Por alguma razão o método mais popular.
Canja – Acreditava-se que uma boa canja de galinha de madrugada resolveria qualquer problema. Era preciso especificar que a canja era para tomar. No entanto, muitos mergulhavam o rosto no prato e tinham de ser socorridos às pressas antes do afogamento.
Minha experiência maior era com a cuba-libre, mas conheço outros tipos de ressaca, pelo menos de ouvir falar. Você sabia que o uísque escocês que tomara na noite anterior era paraguaio quando acordava se sentindo como uma harpa guarani. Quando a bebedeira com uísque falsificado era muito grande, você acordava se sentindo como uma harpa guarani e no depósito de instrumentos da boate Catito’s em Assunção.
A pior ressaca era de gim.
Na manhã seguinte, você não conseguia abrir os dois olhos ao mesmo tempo. Abria um e quando abria o outro, o primeiro se fechava. Ficava com o ouvido tão aguçado que ouvia até os sinos da catedral de São Pedro, em Roma.
Ressaca de martini doce: você ia se levantar da cama e escorria para o chão como óleo. Pior é que você chamava a sua mãe, ela entrava correndo no quarto, escorregava em você e deslocava a bacia.
Ressaca de vinho. Pior era a sede. Você se arrastava até a cozinha, tentava alcançar a garrafa de água e puxava todo o conteúdo da geladeira em cima de você. Era descoberto na manhã seguinte imobilizado por hortigranjeiros e laticínios e mastigando um chuchu para alcançar a umidade. Era deserdado na hora.
Ressaca de cachaça. Você acordava sem saber como, de pé num canto do quarto. Levava meia hora para chegar até a cama porque se esquecera como se caminhava: era pé ante pé ou mão ante mão? Quando conseguia se deitar, tinha a sensação que deixara as duas orelhas e uma clavícula no canto.
Olhava para cima e via que aquela mancha com uma forma vagamente humana no teto finalmente se definira. Era o Peter Pan e estava piscando para você.
Ressaca de licor de ovos. Um dos poucos casos em que a lei brasileira permite a eutanásia.
Ressaca de conhaque. Você acordava lúcido. Tinha, de repente, resposta para todos os enigmas do universo. A chave de tudo estava no seu cérebro. Devia ser por isso que aqueles homenzinhos estavam tentando arrombar a sua caixa craniana. Você sabia que era alucinação, mas por via das dúvidas, quando ouvia falar em dinamite, saltava da cama ligeiro.
Hoje não existe mais isto. As pessoas bebem, bebem e não acontece nada. No dia seguinte estão saudáveis, bem-dispostas e fazem até piadas a respeito.
De vez em quando alguns dos nossos se encontram e se saúdam em silêncio. Somos como veteranos de velhas guerras lembrando os companheiros caídos e o nosso heroísmo anônimo.
Estivemos no inferno e voltamos, inteiros.
Um brinde.
E um Engov.
Luís Fernando Veríssimo, in O suicida e o computador

sábado, 25 de abril de 2015

O passado

E se procurarem saber porque é que todas as imaginações humanas, frescas ou murchas, tristes ou alegres, se voltam para o passado, curiosas de nele penetrarem, acharão sem dúvida que o passado é o nosso único passeio e o único lugar onde possamos escapar dos nossos aborrecimentos quotidianos, das nossas misérias, de nós mesmos. O presente é turvo e árido, o futuro está oculto.
Anatole France, in A Vida em Flor

Do nada

O amor surgiu diante de nós, como um assassino que surge do nada em uma travessa, e nos acertou em cheio. Da mesma forma que um relâmpago acerta, ou uma faca finlandesa.”
Mikhail Bulgarov, in Mestre e Margarida

Faz de conta

Faz de conta que vivia e que não estivesse morrendo pois viver afinal não passava de se aproximar cada vez mais da morte, faz de conta que ela não ficava com os braços caídos de perplexidade quando os fios de ouro que fiava se embaraçavam e ela não sabia desfazer o fino fio frio, faz de conta que ela era sábia o bastante para desfazer os nós de corda de marinheiro que lhe atavam os punhos, faz de conta que tinha um cesto de pérolas só para olhar a luz da lua pois ela era lunar, faz de conta que ela fechasse os olhos e seres amados surgissem quando abrisse os olhos úmidos de gratidão, faz de conta que tudo o que não era faz de conta, faz de conta que se descontraía o peito e uma luz douradíssima e leve a guiava por uma floresta de açudes e de tranquilas mortalidades, faz de conta que ela não era lunar, faz de conta que ela não estava chorando por dentro.”
Clarice Lispector, in Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres

Madeira torta, o homem

Os sinais dos tempos não são apenas faustos. Há também muitos infaustos. Aliás, nunca se multiplicaram tanto os profetas de desventuras como hoje em dia: a morte atômica, a segunda morte, como foi chamada, a destruição progressiva e irrefreável das próprias condições de vida nesta terra, o niilismo moral ou a “inversão de todos os valores”. O século (que chegou ao fim) já começou com a ideia do declínio, da decadência, ou, para usar uma metáfora célebre, do crepúsculo. Mas sempre se vai difundindo, sobretudo por sugestão de teorias físicas apenas ouvidas, o uso de uma palavra muito forte: catástrofe. Catástrofe atômica, catástrofe econômica, catástrofe moral. Havíamos nos contentado até ontem com a metáfora kantiana do homem como madeira torta. Em um dos ensaios mais fascinantes do rigorosíssimo crítico da razão, Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita, Kant perguntou a si mesmo como, de uma madeira torta como a que constitui o homem, podia sair algo inteiramente reto. Mas o próprio Kant acreditava na lenta aproximação ao ideal da retificação através dos “conceitos justos”, “grande experiência” e, sobretudo, “boa vontade”. Da divisão da sociedade, razão pela qual a humanidade continua a ir em direção ao pior, e que ele chamava de terrorista, Kant dizia que “recair no pior não pode ser um estado constantemente duradouro na espécie humana porque, em um determinado grau de regressão, ela destruiria a si mesma”. Mas é exatamente a imagem dessa corrida para a autodestruição que aflora nas visões catastróficas de hoje. Segundo um dos mais impávidos e melancólicos defensores da concepção terrorista da história, o homem é um “animal errado”, não culpado, atenção, porque essa é uma velha história que conhecemos bem, culpado, porém redimível e, talvez, sem que ele mesmo saiba, já redimido, mas errado. É possível retificar uma madeira torta. Porém, parece que o erro do qual fala esse amaríssimo intérprete do nosso tempo é incorrigível.”

Norberto Bobbio, A era dos direitos

Verbo ser

Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.
Carlos Drummond de Andrade

Atrás de cada arte, há uma paixão

Contei a Kafka que meu pai se opunha a que eu estudasse música.
- Você respeitará essa proibição? - perguntou-me Kafka.
- Nem pense nisso – respondi. - Sou teimoso.
Kafka olhou-me com um ar muito grave e disse:
- É quando se é teimoso que se perde mais facilmente a cabeça. Dizendo isso, não quero de modo algum criticar seus estudos de músico, naturalmente. Pelo contrário! Só a paixão que resiste à prova da razão tem energia e profundida.
- Mas a música não é uma paixão, é uma arte – falei.
Mas Kafka sorriu.
- Atrás de cada arte, há uma paixão. Por isso você sofre e luta por sua música. Por isso você não se dobra à proibição materna, porque ama a música e o que está ligado à música mais do que seus próprios pais. Mas é sempre assim em matéria de arte. É preciso rejeitar a vida, para ganhá-la.”
Gustav Janouch, in Conversas com Kafka

O diabo

 “Uma das piores formas de intelectualismo: falar com certa constância e certo brilho sobre coisas a que não se dá nenhum crédito… Por exemplo, o diabo. Não há dúvida que para muitos escritores é ele apenas um tema rico, desses que enchem o vazio de uma crônica ociosa ou faz resplandecer as páginas de um livro morto. Tem-se a impressão de que se trata de um belo motivo para composição, mais ou menos idênticos aos que nos são apresentados na escola pública. Mas através dessas linhas tortas, o diabo irrompe nítido, sublinhando o inútil de todas as vaidades e o artifício dessas caricaturas sem fé.”
Lúcio Cardoso, in Diários

Os jovens e os momentos



Apenas os jovens têm tais momentos. Não me refiro aos muito jovens. Não. Os muito jovens não têm, a bem dizer, momento algum. É um privilégio do começo da juventude viver adiante de seus dias, em toda a bela continuidade de esperança que não conhece pausas ou interrupções.
Fecha-se atrás de si o pequeno portão da mera meninice - e adentra-se um jardim encantado. Até as sombras aqui resplandecem cheias de promessas. Cada curva da vereda tem suas seduções. E não porque se trate de um país desconhecido. Sabe-se muito bem que a humanidade toda já trilhou aquela senda. É o encanto da experiência universal, da qual se espera extrair uma sensação incomum ou pessoal - um algo que seja só nosso.
Vai-se reconhecendo os marcos dos predecessores, excitado, divertindo-se, aceitando a boa como a má sorte - as rosas e os espinhos, como se costuma dizer -, o pitoresco lote padrão, que guarda tantas possibilidades para os merecedores, ou talvez para os afortunados. Sim. Vai-se adiante. E o tempo, também, caminha - até que se percebe logo adiante uma linha de sombra avisando-nos que também a região da mocidade deverá ser deixada para trás.
Este é o período da vida no qual os tais momentos de que falei costumam aparecer. Que momentos? Ora, os momentos de tédio, de desânimo, de insatisfação. Momentos temerários. Quero dizer, momentos em que os ainda jovens estão propensos a cometer gestos temerários, como casar-se de repente ou então abandonar um emprego sem motivo algum.”
Joseph Conrad, in A linha de sombra

A civilização

Existem infinitamente mais homens que aceitam a civilização como hipócritas do que homens verdadeiramente e realmente civilizados, e é lícito até perguntarmo-nos se um certo grau de hipocrisia não será necessário à manutenção e à conservação da civilização, dado o reduzido número de homens nos quais a tendência para a vida civilizada se tornou uma propriedade orgânica.”
Sigmund Freud

À beira-mar

Porque será que tem gente que vive se metendo com que os outros estão fazendo? Pode haver coisa mais ingênua do que um menininho brincando com areia, na beira da praia? Não pode, né? Pois estávamos nós deitados a doirar a pele para endoidar mulher, sob o sol de Copacabana, em decúbito ventral (não o sol, mas nós) a ler "Maravilhas da Biologia", do do coleguinha cientista Benedict Knox Ston, quando um camarada se meteu com uma criança, que brincava com a areia.
Interrompemos a leitura para ouvir a conversa. O menininho já estava com um balde desses de matéria plástica cheio de areia, quando o sujeito intrometido chegou e perguntou o que é que o menininho ia fazer com aquela areia. O menininho fungou, o que é muito natural, pois todo menininho que vai na praia funga, e explicou pro cara que ia jogar a areia num casal que estava numa barraca lá adiante. E apontou para a barraca.
Nós olhamos, assim como olhou o cara que perguntava ao menininho. Lá, na barraca distante, a gente só conseguia ver dois pares de pernas ao sol. O resto estava escondido pela sombra, por trás da barraca. Eram dois pares, dizíamos, um de pernas femininas, o que se notava pela graça da linha, e outro masculino, o que se notava pela abundante vegetação capilar, se nos permitem o termo.
Eu vou jogar a areia naquele casal por causa de que eles estão se abraçando e se beijando muito — explicou o menininho, dando outra fungada.
O intrometido sorriu complacente e veio com lição de moral.
Não faça isso, meu filho — disse ele (e depois viemos a saber que o menino era seu vizinho de apartamento). Passou a mão pela cabeça do garotinho e prosseguiu: — deixe o casal em paz. Você ainda é pequeno e não entende dessas coisas, mas é muito feio ir jogar areia em cima dos outros.
O menininho olhou pro cara muito espantado e ainda insistiu:
Deixa eu jogar neles.
O camarada fez menção de lhe tirar o balde da mão e foi mais incisivo:
Não senhor. Deixe o casal namorar em paz. Não vai jogar areia não.
O menininho então deixou que ele esvaziasse o balde e disse: — Tá certo. Eu só ia jogar areia neles por causa do senhor.
Por minha causa? — estranhou o chato. — Mas que casal é aquele?
— O homem eu não sei — respondeu o menininho. — Mas a mulher é sua.  
Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta), in O melhor do Stanislaw

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Que conhecemos do mundo?

De agora em diante, a filosofia se autoriza a só se satisfazer no estupro do puro espírito. O mundo é uma realidade inacessível que seria inútil tentar conhecer. Que conhecemos do mundo? Nada. Como todo conhecimento é apenas a autoexploração da consciência reflexiva por si mesma, pode-se, portanto, mandar o mundo para o quinto dos infernos.”

Muriel Barbery, in A elegância do ouriço

Conselho de pai


Em meus anos mais juvenis e vulneráveis, meu pai me deu um conselho que jamais esqueci:
- Sempre que você tiver vontade de criticar alguém - disse-me ele, - lembre-se de que criatura alguma neste mundo teve as vantagens de que você desfrutou.
Ele nada mais disse, mas sempre fomos comunicativos de uma maneira bastante incomum e reservada, e eu compreendi que ele queria dizer muito mais do que isso. Por conseguinte, sinto-me inclinado a guardar para mim todos os meus juízos, hábito esse que fez com que muitas naturezas curiosas se abrissem comigo, mas que também me tornou vítima de muitos maçadores inveterados.
A mente anormal percebe-a rapidamente e sente-se atraída por essa qualidade, quando ela aparece numa pessoa normal, e, assim, aconteceu que, na universidade, eu fui injustamente acusado de ser um político, por saber guardar as mágoas secretas de indivíduos violentos, desconhecidos. Quase todas as confidências eram espontâneas, eu fingia, não raro, que estava dormindo, que me achava preocupado ou, então, revelava uma leviandade hostil, ao perceber, por certos sinais inconfundíveis, que uma revelação íntima palpitava no horizonte - pois que as revelações íntimas dos jovens ou, pelo menos, os termos em que eles as exprimem, têm, habitualmente, muito de plágio e, o que é pior, de plágios desfigurados por evidentes supressões. Reservar para nós os nossos juízos, é coisa que proporciona infinitas possibilidades. Tenho ainda certo receio de perder alguma coisa, se esquecer que, como meu pai pretensiosamente sugeria, e eu, pretensiosamente, repito, um certo senso de decência fundamental é concedido, ao homem, desigualmente, ao nascer.”
F. Scott Fitzgerald, in O grande Gatsby

Honestidade X desonestidade

Os exemplos de honestidade que se encontram neste mundo são tão incríveis quanto os exemplos de desonestidade. Depois de quarenta e cinco anos nos misturando com nossa própria espécie, devíamos ter adquirido o hábito de ser capazes de conhecer alguma coisa dos nossos próximos. Mas não se conhece.”
Ford Madox Ford, in O bom soldado

Vigília

Não, meu amigo, não precisas ter
nenhum cuidado: havendo o que cuidar,
cuidarei eu constantemente a te poupar
coitas que vão teu coito arrefecer.

Coitado de quem deixa a noite ser
vinda fora de tempo e de lugar
sombreando as alturas do prazer
com rasteiras tribulações do lar.

Antes que venha a noite, vai o dia
mostrando os horizontes de alegria
que tem a palmilhar no corpo dela:

são costas, são gargantas, são colinas
toda uma geografia em que te empinas
enquanto pelo teu meu amor vela.
Geir Campos

Isto é o homem

Os Estados ocidentais sentiam-se inquietos como os cavalos antes da trovoada. Os grandes proprietários inquietavam-se, pressentindo a metamorfose, sem atinarem, no entanto, com a sua natureza. Os grandes proprietários atacavam o que lhes ficava mais próximo: o governo de poder crescente, a unidade trabalhista cada vez mais firme; atacavam os novos impostos e os novos planos, ignorando que todas essas coisas são efeitos e não causas. As causas escondiam-se bem no fundo e eram simples – as causas eram a fome, a barriga vazia, multiplicada milhões de vezes, fome na alma, fome de um pouco de prazer e de um pouco de tranquilidade, multiplicada milhões de vezes; músculos e cérebros que ansiavam por crescer, trabalhar, criar, multiplicados milhões de vezes. A última função clara e definida do homem – músculos que querem trabalhar, cérebros que querem criar algo além da mera necessidade – isto é o homem. Construir um muro, construir uma casa, um dique, e pôr nesse muro, nessa casa, nesse dique algo do próprio homem, é retirar para o homem algo desse muro, dessa casa, desse dique. Obter músculos fortes à força de movê-los, obter linhas e formas elegantes pela concepção. Porque o homem, ao contrário de qualquer coisa orgânica ou inorgânica do universo, cresce para além do seu trabalho, galga os degraus das suas próprias ideias, emerge acima das próprias realizações. É isto o que se pode dizer a respeito do homem.”
John Steinbeck, in As vinhas da ira

Lei: benefício de poucos

A maioria das leis não passam de privilégios, isto é, um tributo de todos em benefício de alguns poucos.”
Cesare Beccaria, in Dos delitos e das penas

Locomotiva

 

Graças ao lápis que hoje trago à mão, mantenho-me desperto. Vejo, entrevejo imagens bizarras que não podem ter qualquer relação com meu passado: uma locomotiva que resfolega pela encosta acima a arrastar inúmeros vagões; sabe-se lá de onde vem e para onde vai e o que estará fazendo nestas recordações?!”
Italo Svevo, in A consciência de Zeno